PF revela interferência no TRT

Gravações mostram conversa de braço-direito de Cachoeira com desembargador do Trabalho

Alfredo Mergulhão/ O Popular

Interceptações telefônicas da Polícia Federal (PF) revelam ligações entre um desembargador do Tribunal Regional do Trabalho (TRT) da 18ª Região e membros da organização criminosa chefiada por Carlos Augusto de Almeida Ramos, o Carlinhos Cachoeira.

 O desembargador Júlio César Cardoso de Brito ocupa a segunda posição na escala hierárquica do TRT em Goiás. Conforme as investigações, ele foi acionado por Gleyb Ferreira da Cruz para intervir numa ação judicial que contrariava os interesses de Marco Antônio de Almeida Ramos, irmão de Carlinhos Cachoeira. Gleyb e Marco Antônio foram denunciados na Operação Monte Carlo.

Vice-presidente do TRT da 18ª Região, Júlio César também viajou com Gleyb e Marco Antônio para Buenos Aires no ano passado, além de ter usado o carro importado do irmão de Cachoeira. Segundo a PF, o passeio teria sido pago por Gleyb. O desembargador admite ter relações com os denunciados, mas nega ter recebido benefícios financeiros.

Numa conversa gravada com autorização da Justiça em 7 de junho do ano passado, o nome de Júlio César aparece pela primeira vez. Ele é mencionado por Marco Antônio, que pede a Gleyb que informe ao desembargador sobre uma ação que tramitava na Justiça do Trabalho. Uma semana depois, o relatório da PF relata as providências tomadas para que os dois conversassem.

Assessor no gerenciamento das atividades ilegais comandadas por Cachoeira – como lavagem de dinheiro evadir divisas e compra de telefones no exterior para dificultar grampos – Gleyb organizou para que a conversa acontecesse. De acordo com o relatório, ele estava acompanhado de Júlio César à espera do contato de Marco Antônio. Mas como estava sem um “telefone seguro”, o irmão de Cachoeira promete providenciar um aparelho para que pudessem falar. O teor da conversa não consta no documento.

Três dias depois, a PF registrou que Júlio César estava com o carro importado de Marco Antônio. O desembargador telefona para Gleyb e informa que deseja entregar o automóvel. Na mesma data, o carro foi recolhido por uma pessoa a mando do assessor de Cachoeira. Mais três dias e as escutas telefônicas revelam Gleyb convidando o desembargador para uma viagem a Buenos Aires com Marco Antônio. Com convite aceito, Gleyb ajuda Júlio César a converter moeda nacional em dólar.

Por email, Júlio César disse que não sabe de qual ação judicial se trata. Ele argumenta que os processos na Justiça do Trabalho são, em regra, públicos e qualquer pessoa pode ter informação sobre os atos processuais. “Nunca facilitei ou favoreci qualquer pessoa em razão do cargo que ocupo, sempre respeitei a instituição”, afirmou. O desembargador ainda negou ter usado um equipamento Nextel para conversar com Marco Antônio.

Júlio César admitiu ser amigo de Gleyb. “Uma amizade recente em fase de conhecimento”, depois de ser apresentado pelo delegado Deuselino Valadares, também denunciado. Ele sustenta que teve convívio “apenas superficial” com Carlinhos Cachoeira. “O fato de conhecer pessoalmente essas pessoas não significa que tinha conhecimento de suas atividades ilícitas”, escreveu no email.

Viagem

O desembargador confirma a viagem para Buenos Aires, mas alega ter pago as próprias despesas. Júlio César apresentou o comprovante de viagem emitido por uma concessionária, referente a uma promoção que lhe dava direito às passagens para a capital argentina por ter comprado um carro zero quilômetro. “Na véspera da viagem, fui ao banco para solicitar à gerência a liberação do meu cartão para uso no exterior e sacar dinheiro. O Gleyb, então, fez apenas a troca do valor por dólares”, afirmou.

Em relação ao automóvel, Júlio César sustenta que a Mercedez Benz estava com Gleyb, que a havia estacionado na porta do prédio onde o desembargador mora e deixado a chave na portaria. “Precisei ir à casa da minha mãe e, como estava sem condução, utilizei o automóvel que pensava pertencer ao Gleyb. No mesmo dia, um funcionário do Gleyb o buscou”.

Júlio César ocupa a vaga de desembargador do quinto constitucional no TRT da 18° Região, reservada para a advocacia. Ele se candidatou ao posto e esteve entre os mais votados pelos conselheiros da seccional goiana da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-GO). Seu nome compôs uma lista tríplice, da qual o então presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, o escolheu.

Por meio de nota, presidente da OAB-GO, Henrique Tibúrcio, considerou os indícios preocupantes. “É preciso haver uma investigação criteriosa para elucidar os fatos”, afirmou. No entanto, ressaltou que não cabe à entidade nenhum tipo de providência correicional, pois Júlio César deixa de ser advogado quando assume o cargo de desembargador. “Cabe ao Tribunal e espera-se que isso seja feito.”

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