Aquela máxima de que “o cliente tem sempre razão” tem andado fora de moda entre as empresas. As estatísticas de reclamações sobre problemas de atendimento não param de crescer nos Procons de todo o País. Em alguns casos, a falta de qualidade vai além da ineficiência e chega à falta de educação, maltrato e até insulto por parte do funcionário. A história do esteticista José Cavalcante Alburquerque, de 36 anos, é um exemplo. Ele foi parar na Justiça, depois que o descaso dos atendentes de seu banco virou crime de homofobia.
Ao reclamar da cobrança indevida de uma tarifa de cartão de crédito no Serviço de Atendimento ao Consumidor (SAC) do banco, o esteticista diz que foi tratado de forma constrangedora (era chamado de senhora, mesmo explicando ser homem) e que percebeu haver “deboche” por parte dos atendentes. A confirmação do problema veio dias depois, quando recebeu um novo cartão (mesmo sem tê-lo solicitado), com um xingamento impresso no lugar onde deveria estar seu nome: “folote do inferno”.
“De antemão, vi que era algo ruim, mas demorei horas para cair a ficha. A advogada é que me explicou. Fiquei indignado. Já sofri com preconceito por ser homossexual, mas não imaginava que isso pudesse partir de um banco. Quero divulgar essa sentença para mostrar à sociedade que o preconceito é vil e criminoso e que, independente das diferenças, as pessoas merecem respeito”, relata José.
Segundo a juíza Luciana Camapum, do 3º Juizado Especial Cível de Anápolis, na sentença em que condenou o banco a pagar indenização de R$ 27,1 mil a José, por danos morais, a palavra folote refere-se à “mulher que já conheceu muitos homens”. Aliada à palavra “inferno” e ao fato de os atendentes conhecerem a orientação sexual do cliente, o ato ficou caracterizado como homofóbico e o dano causado ao cliente foi de “extrema gravidade”, afirmou. A ação ainda cabe recurso.
RECORRÊNCIA
Em março, o analista judiciário Valdemir Soares, 53, pediu auxílio a sua operadora de celular, porque não conseguia completar uma ligação, e foi chamado de “imbecil” e “idiota” pela atendente, por meio de uma mensagem de texto. Ele recolheu provas para reclamar na Justiça. Outro caso de desrespeito que rendeu ação judicial em Goiânia foi o da consumidora Maria Helena Bueno Martins, que teve problemas com o chip pós-pago de celular. Depois de comprá-lo, o produto não funcionou. A mulher somou nove protocolos de atendimentos pelo SAC da operadora e tentou resolver o problema também em lojas físicas.
Não bastasse ser tratada com desdém e grosseria pelos atendentes, um deles registrou na nota fiscal a frase “Cliente mais enjoada que já existiu”, como se fosse um aviso a outro funcionário que iria atendê-la na segunda loja, para onde foi encaminhada. Pelo abuso, Maria Helena recebeu indenização de R$ 6,7 mil, por danos morais.
O advogado Humberto Rocha explica que casos contra consumidores como os já citados são comuns. Entretanto, poucas pessoas buscam a punição das empresas que as desrespeitam, as quais podem ser responsabilizadas, tanto pelo Código de Defesa do Consumidor (CDC), quanto pelo Código Penal. “O cliente tem direito à reparação pela falha na prestação do serviço e também à reparação civil por danos morais”, afirma. Protocolos de atendimento, gravações, mensagens e até testemunhas servem como provas.”
TREINAMENTO
Para a assessora-geral do Procon Goiás, Rosânia Nunes, as empresas têm investido na melhoria do atendimento nos últimos anos e a resolução aos problemas de consumidores tem aumentado, mas ainda não é suficiente. “Temos nos reunido com as empresas e fornecedores para conscientizá-los da importância do suporte ao consumidor no pós-venda, mas essa ainda é uma dificuldade. Muito se faz para captar o cliente, mas, quando o produto ou serviço apresenta falha ou defeito, o atendimento não tem a mesma dedicação”, destaca.
A coach Ana Paula Borges, consultora da Escola do Varejo da Câmara de Dirigentes Lojistas (CDL) de Goiânia, frisa que parte desse problema se dá pelo baixo investimento das empresas na capacitação de seus funcionários. “O grande desafio do empresário está na gestão do seu capital humano. Com treinamento e valorização do trabalhador, é possível diminuir a rotatividade e desenvolver a capacidade do funcionário de criar condições para um atendimento cada vez melhor”, frisa.