Criteriosa com a formalização das empregadas domésticas que já trabalharam em sua casa, a servidora pública Ane Caroline Levy da Silva já deixou de contratar funcionárias que se manifestaram contra a assinatura da carteira de trabalho. O comportamento de Ane livra ela de uma dor de cabeça.
A partir de hoje, 120 dias após a assinatura da presidente Dilma Rousseff da lei 12.964, o empregador que mantiver funcionários em casa sem carteira assinada será multado em, no mínimo, R$ 805,06, valor que pode ser maior em caso de reincidência ou embaraço com a fiscalização.
O empregado não regularizado poderá fazer a denúncia por meio do Sindicato dos Trabalhadores Domésticos de Goiás (Sintraego), Ministério do Trabalho e Emprego em Goiás ou até mesmo buscar serviço de um advogado.
O advogado trabalhista Rafael Lara Martins ressalta que a obrigatoriedade de assinar a carteira de trabalho é antiga. Desde 1973, a categoria tem direito a ter a carteira assinada pelos empregadores, mas não havia definição da multa. Isso porque a punição pela informalidade era prevista somente na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), que, por sua vez, não atinge os domésticos. A nova lei), que é independente da PEC das Domésticas, vem preencher essa lacuna.
“Essa lei foi criada para ratificar o direito do doméstico. Antes, como a previsão de punição existia apenas para quem trabalha em regime de CLT, qualquer patrão que fosse autuado por manter um empregado não registrado no lar poderia questionar judicialmente a cobrança de uma multa sem base legal. Agora, não pode mais”, afirma.
“Sempre assinei a carteira das empregadas domésticas. É um direito delas e também evitamos problemas”, resume Ane Caroline. Ela afirma que essa atitude a resguarda de qualquer problema com a legislação trabalhista. “Inclusive já deixei de contratar porque a empregada não queria que a carteira fosse assinada.” Ela explica que prefere gastar um pouco a mais para se enquadrar às normas legais a cometer alguma infração e pagar multa.
Na prática, os patrões que forem flagrados em situação irregular vão pagar mais do que a multa de R$ 805. Serão calculados todos os direitos e obrigações trabalhistas não recolhidos ao longo do tempo sem formalização, como o INSS, 13º salário e férias.
Na avaliação de Rafael Martins, a simples criação da multa não deve ser responsável por promover mudanças no cenário atual. Segundo informações do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), somente um terço dos empregados domésticos estão regularizados. “O debate é que vai promover essa mudança. Toda vez que o assunto vem à tona, os empregados absorvem as informações e os patrões compreendem seus deveres”, diz o advogado.
Divergências sobre recolhimento do FGTS
O advogado trabalhista Rafael Lara Martins não vê obrigatoriedade do recolhimento do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) e pagamento das parcelas do seguro-desemprego. “Não observo nenhuma linha que defenda essa obrigatoriedade a partir da PEC das Domésticas.”
Entretanto, na avaliação do superintendente do Trabalho e Emprego de Goiás, Arquivaldo Bites, desde a regulamentação da PEC das Domésticas, em abril deste ano, há a obrigatoriedade de recolhimento do FGTS que, por sua vez, garante o direito ao seguro-desemprego. “Sabemos que existem os que defendem que não há a obrigatoriedade, mas não é assim. O que vem sendo questionado é a possibilidade de redução dessa alíquota de recolhimento”, diz.
Sendo assim, após a promulgação da emenda constitucional que diminui a distância dos direitos dos empregados domésticos aos demais trabalhadores, pelo menos seis direitos básicos ainda não foram regulamentados: indenização em demissões sem justa causa, salário família, adicional noturno, auxílio-creche e seguro contra acidente de trabalho.
“Torço para que todos os direitos das empregadas domésticas sejam garantidos por lei. Elas devem ser tratadas como os outros trabalhadores”, diz a turismóloga Kênia Dias, após afirmar que não se importa que a regulamentação desses direitos venha onerar o orçamento. Ela explica que nunca contratou uma empregada doméstica sem o devido registro, por “precaução e para valorizar o trabalho delas”.
Para o advogado Rafael Martins, é improvável que a regulamentação ocorra ainda este ano. “Tudo isso vai impactar na Previdência e isso não deve ocorrer em ano eleitoral.”
FISCALIZAÇÃO
Segundo Arquivaldo Bites, a fiscalização será feita de forma indireta, já que não pode atuar dentro das residências.
A descoberta e a punição da informalidade do trabalho doméstico só poderão ser feitas por meio de denúncia e reclamação do empregado junto ao órgão. “Será preservada a identificação do empregado.”