Como andam as relações de consumo, neste cenário pandêmico. Será que o consumidor tem o que comemorar?

É perceptível que estamos vivendo tempos de constantes mudanças em todos os cenários. No século de uma das maiores crises sanitárias da história nada permanece inerte, e com a Economia e o Direito não é diferente, para acompanhar a atmosfera de transformação na sociedade, de uma cultura global em ascensão.

Novos Direitos, novos agentes, novas perspectivas de um mundo que passou e está passando por uma transmutação com eventos de grandes impactos na sociedade.

Em nenhum momento da nossa História, a Teoria Jurídica e o Direito tiveram tantas dificuldades e contratempos, de aplicabilidade e interpretação. Porém temos um ordenamento jurídico sólido, e preparado para enfrentar os obstáculos e desafios. O operador do direito deste século, deve se balizar entre normas, princípios e paradigmas, e possuir o dever de equilibrar e adequar o discurso jurídico às extremidades sociais.

Neste contexto instável, inovador e de desafios, nascem novos conceitos que tratam as relações de consumo, sob diversas dimensões. Como pilar social devemos imprimir todas suas nuances. Como abordagem econômica, devemos lembrar que a vulnerabilidade do consumidor fundamenta as relações de consumo, com fulcro em promover a igualdade de condições entre fornecedor e consumidor.

O que direciona o mercado de consumo, ou seja, os bens produzidos, com emprego de grandes recursos financeiros, é a busca desenfreada, cada vez mais pela obtenção de lucros e vantagens no mercado de capital, e nunca pela ótica da necessidade e escolha individual.

Ao contrário do que se espera, o fenômeno do consumo deixou de ser estudado, de forma, a construir novos conceitos, que pudessem dimensionar, a grandiosidade do que representa o indivíduo como consumidor final, onde o círculo de toda cadeia produtiva deságua, ficando sobre análises constantes das grandes companhias apenas as estratégias vorazes de marketing e de vendas, em busca de potencializar cada vez mais os seus lucros.

O cenário pandêmico criou um subgrupo social, formado por indivíduos que foram atingidos diretamente pela crise. São pessoas que sentiram na pele a causa e efeitos que um episódio sanitário global pudesse fazer.

Desemprego, fechamento de empresas, alta de juros, quebras contratuais, instabilidade jurídica e social. O que resultou em um quadro de endividamento das pessoas, e de vulnerabilidade social.

Nesse universo, foi necessário a implementação de políticas públicas, com a finalidade de assegurar, pelo menos, o mínimo existencial para os indivíduos, nascendo assim o “Auxilio Emergencial”.

Embora louvável, a iniciativa, por outro lado, faltou pulso, do governo, para conter a alta dos preços dos produtos essenciais ao consumo, como alimentos por exemplo, produtos de prevenção e combate a Covid 19 entre outros.

Quando se fala em economia e livre comércio, o mercado tem “horror” quando é mencionado regular preços de produtos. Porém, para um país com as dimensões territoriais, e com as diferenças sociais que temos, é preciso enfrentar e construir políticas sociais ousadas, que possa assegurar, em tempos sombrios, a manutenção da renda, do alimento e da dignidade humana do consumidor.

A aprovação da Lei 14.181/2021, que trata da Prevenção e tratamento do Superendividamento do Consumidor, talvez seja o grande marco a se comemorar nos últimos anos, na seara consumerista.

Os órgãos de defesa do Consumidor, e entidades que os representam, celebraram com muito afinco essa conquista.

Foram quase 10 anos de luta até a sua aprovação. Enquanto companhias e grupos financeiros aprovam projetos dos seus interesses, quase sempre, retirando direitos dos consumidores, da noite para o dia, esse projeto levou vergonhosamente quase uma década para ser aprovado.

Como novidade, essa lei trouxe o combate preventivo ao Superendividamento e garantia ao mínimo existencial, o que significa em melhores condições para negociação de dividas. E também traz o dever de transparência e o combate ao assédio creditório.

Mas para que haja eficiência e eficácia dessa nova legislação é preciso que os órgãos de proteção e defesa do Consumidor, assumam o protagonismo em fazer essa defesa. Que passa principalmente em fazer essa lei conhecida de todos os cidadãos.

O desconhecimento do consumidor do seu direito, talvez seja uma das principais causas de fazê-lo desistir, de buscar informação e ajuda para resolver suas demandas de consumo.

Por outro lado, as empresas implementam ferramentas frágeis, com discurso de melhorar a qualidade do atendimento ao consumidor, que tenha que resolver um problema de relação de consumo.

Outro ponto importante que temos para comemorar, foi a criação da Teoria do Desvio Produtivo do Consumidor, criada pelo Advogado Marcos Dessaune, que defende que todo tempo desperdiçado pelo consumidor para a solução de problemas, gerados por maus fornecedores constitui em dano indenizável.

É perceptível, no Brasil, o descaso que as empresas e fornecedores de produtos e serviços e até mesmo o próprio Estado, fornecendo diariamente produtos e serviços eivados de vícios, constituindo assim, reiteradamente práticas abusivas contra o consumidor.

 

Por fim, parece ocular observar, no contexto de cada episteme social, o sentido e os contrassensos emergentes para poder identificar, em definitivo, qual é o mundo que receberemos pós pandemia. Por óbvio, as relações econômicas e de consumo se apresentarão neste contexto, como ferramentas que direcionarão o futuro das abordagens das ciências sociais para o novo cenário.      

*Mauro Sérgio Mota de Souza é  advogado especialista em Direito do Consumidor e Relação de Consumo. Presidente da Comissão de Direito do Consumidor da OAB – Jataí.  Ex- Diretor do Procon – Jataí

 

 

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