A 5ª Turma do Tribunal Superior do Trabalho (TST) não conheceu recurso da Editora Abril S/A, mantendo intacta decisão que condenou a empresa a abster-se de utilizar contratos civis, como o de representante comercial, para disfarçar relações trabalhistas de seus vendedores. O recurso originou-se de uma ação civil pública, movida pelo Ministério Público do Trabalho da 1ª Região (MPT/RJ).
Na ação civil pública, o MPT/RJ objetivou a nulidade da contratação de vendedores sob a "indevida denominação" de "representantes comerciais autônomos."
Pela Procuradoria Regional do Trabalho da 1ª Região, o MPT-RJ instaurou procedimento investigatório, após anúncio veiculado no Jornal ‘O Globo’, do dia 13/10/2002, trazendo requisitos de pessoalidade e ‘atrativos’ como ‘treinamento constante’, ‘ótimo ambiente de trabalho’ e ‘possibilidade de crescimento dentro da empresa’. Para o MPT, tais encantos evidenciavam a existência de algo mais do que uma simples ‘representação comercial autônoma’.
Dando início às investigações, o MPT requisitou todos os contratos de representação comercial firmados para vendas de assinaturas das revistas da Editora Abril no Rio de Janeiro. Vários trabalhadores foram notificados a prestar depoimento. De acordo com os depoimentos colhidos, eles souberam da oportunidade por meio de anúncio de jornal.
Assim, segundo os depoentes, compareciam à Editora, preenchiam fichas e eram entrevistados. Em seguida, participavam de seleção e treinamento. Trabalhavam por contrato, sem vínculo empregatício, sendo-lhes fornecido pela Abril o stand e todos os materiais. Pelas vendas efetuadas, recebiam comissões. Contudo, quem vendia assinatura nos stands da editora nos shoppings não era empregado, e sim, representante comercial. Ainda, de acordo com os depoentes, eram obrigados a cumprir horário controlado por um gerente e filiados ao Core – Conselho Regional dos Representantes Comerciais.
Quanto à forma de remuneração, os depoentes afirmaram serem pagas as premiações no ‘Expert Card’, do grupo Bradesco, sendo o referido depósito feito pela Editora, não vindo comprovado no RPA (Recibo de Pagamento de Autônomo), nem em qualquer outro documento comprobatório.
Com base nos depoimentos, o Ministério Público do Trabalho entendeu que a Editora, com o intuito de fraudar a legislação trabalhista, na realidade recrutava e contratava trabalhadores, utilizando-se do artifício de enquadrá-los como representantes comerciais autônomos – Lei nº 4.886/65 – que regula as atividades desses representantes.
"Não se trata de representantes comerciais autônomos e sim vendedores subordinados, com normas a seguir e cotas a cumprir, podendo ser dispensados, devendo prestar contas e frequentar treinamentos", afirmou o MPT. Após elencar vários argumentos, nesse sentido, reafirmou: "aquele que trabalha com subordinação, com cumprimento de horário, rígida pirâmide hierárquica, com supervisores e gerentes não pode ser considerado representante comercial autônomo".
A 4ª VT/RJ acolheu o pedido principal do MPT para condenar a Abril a privar-se de utilizar contratos civis, como o de representante comercial. Para o juiz, a conduta, aplicada a pessoas em geral, atraídas por anúncios publicados em jornais de grande circulação, à busca de emprego, "viola uma coletividade, um número indefinido de pessoas, além daquelas já engajadas nesse tipo de contratação ilícita".
"Há uma violação legal que atinge uma coletividade, e afeta inclusive interesses previdenciários e fiscais, não havendo as garantias mínimas a centenas de trabalhadores que atuam sem registro, embora efetivos e subordinados", entendeu o magistrado. "No caso, o prejuízo é social, justificando a tutela requerida pelo MPT na defesa de interesses difusos e coletivos," concluiu.
A editora buscou reformar a sentença no Tribunal Regional do Trabalho da 1ª Região (RJ). Insistiu na legalidade dos contratos de representação, por estarem, segundo ela, em conformidade com a Lei nº 4.886/65.
Após análise, em que distinguiu a figura do empregado e a do representante comercial, o Regional afirmou que, o fato de a Editora Abril ter como objeto social o comércio de revistas e publicações técnicas, deve necessariamente ter vendedores, sendo impossível o funcionamento de uma empresa sem empregados.
Ainda, com base em depoimento de testemunha que admitiu ‘não ter autonomia – característica marcante do contrato de representação comercial – para conceder descontos ou mudar a forma de pagamento fora da tabela’, não sabendo informar se existia algum vendedor devidamente registrado, o Regional rejeitou o recurso da Editora.
Mais uma vez a Abril tentou anular decisão desfavorável, via recurso ao TST. Disse não haver qualquer impedimento legal para que toda a parte de vendas fosse feita por representantes comerciais, ainda mais, considerando-as como atividade fim, não pode existir qualquer impedimento legal na ‘celebração de contratos de representação comercial’.
Em sua análise, o ministro Emmanoel Pereira, relator na 5ª Turma, observou que o Regional estabeleceu minucioso critério de diferenciação entre as figuras do empregado e do representante comercial autônomo para chegar ao desfecho.
Além disso, segundo relator, para se entender ausente os requisitos formadores da relação de emprego seria necessário novo exame de fatos e provas, procedimento vedado no TST, pela incidência da Súmula nº 126. Vencido o ministro Brito Pereira que conhecia do recurso quanto ao mérito.