O julgamento das uniões homoafetivas levou mais uma vez o Supremo Tribunal Federal (STF) a ocupar um espaço que não foi preenchido pelo Congresso Nacional. Sem apoio contundente do governo e com o Congresso dividido, inclusive, por visões religiosas, projetos que garantiriam os direitos a casais homossexuais estão parados há anos no Legislativo e dificilmente seriam aprovados.
Mas ontem, o STF confirmou, em decisão unânime – dez votos a favor e nenhum contra – que os casais do mesmo sexo têm os direitos e deveres equiparados aos heterossexuais. A partir da decisão, o casamento civil entre pessoas do mesmo sexo será permitido e as uniões homoafetivas passam a ser tratadas como um novo tipo de família.
O julgamento do Supremo torna praticamente automáticos os direitos que hoje são obtidos com dificuldades na Justiça e põe fim à discriminação legal dos homossexuais. "O reconhecimento, portanto, pelo tribunal, hoje (ontem), desses direitos, responde a um grupo de pessoas que durante longo tempo foram humilhadas, cujos direitos foram ignorados, cuja dignidade foi ofendida, cuja identidade foi denegada e cuja liberdade foi oprimida", afirmou a ministra Ellen Gracie.
Pela decisão do Supremo, os homossexuais passam a ter reconhecido o direito de receber pensão alimentícia, ter acesso à herança de seu companheiro em caso de morte, podem ser incluídos como dependentes nos planos de saúde, poderão adotar filhos e registrá-los em seus nomes, dentre outros direitos.
As uniões homoafetivas serão colocadas com a decisão do STF ao lado dos três tipos de família já reconhecidos pela Constituição: a família convencional formada com o casamento, a família decorrente da união estável e a família formada, por exemplo, pela mãe solteira e seus filhos.
E como entidade familiar, as uniões de pessoas do mesmo sexo passam a merecer a mesma proteção do Estado.
Facilidade A decisão do STF simplifica a extensão desses direitos. Por ser uma decisão em duas ações diretas de inconstitucionalidade – uma de autoria do governador do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral (PMDB), e outra pela vice-procuradora-geral da República, Deborah Duprat -, o entendimento do STF deve ser seguido por todos os tribunais do País.
Os casais homossexuais estarão submetidos às mesmas obrigações e cautelas impostas para os casais heterossexuais. Por exemplo: para ter direito à pensão por morte, terá de comprovar que mantinha com o companheiro que morreu uma união em regime estável.
Pela legislação atual e por decisões de alguns tribunais, as uniões de pessoas de mesmo sexo eram tratadas como uma sociedade de fato, como se fosse um negócio. Assim, em caso de separação, não havia direito a pensão por exemplo. E a partilha de bens era feita medindo-se o esforço de cada um para a formação do patrimônio adquirido.
Parte da razão para o não reconhecimento das uniões homoafetivas tinha base na Constituição (artigo 226) e no Código Civil (artigo 1723). Os dois textos reconheciam que a união estável ocorre entre o homem e a mulher. Os ministros do STF entenderam que a legislação não deveria ser interpretada de forma a proibir a união de pessoas do mesmo sexo.
Impedir o acesso a direitos por parte dos casais gays com base na interpretação de que apenas casais heterossexuais estariam protegidos, conforme os ministros, seria violar princípios constitucionais, como da igualdade e da não discriminação. "A interpretação do artigo 1.723 do Código Civil poderia conduzir a interpretações excludentes daqueles que escolhem viver uniões homoafetivas", explicou a ministra Cármen Lúcia.
Além disso, até hoje, o Congresso não aprovou uma legislação específica para regular a união entre pessoas do mesmo sexo.
Na ausência dessa lei, afirmaram os ministros, o STF teria de garantir a essa minoria direitos considerados fundamentais. "Se o sistema (político) de alguma forma falha e o Judiciário é chamado a substituir o sistema político, a resposta só poderá ser esta de caráter positivo", disse Gilmar Mendes. "A solução, de qualquer sorte, independe do egislador, porque (os direitos das uniões homoafetivas) decorrem dos direitos fundamentais", acrescentou o ministro Marco Aurélio Mello.
Direitos – Juízes de várias partes do País vêm reconhecendo direitos de casais homossexuais. Mas a decisão favorável do STF "dita o rumo", disse a advogada Maria Berenice Dias, uma das maiores autoridades do Brasil em direito homoafetivo.
Ao concluir que os casais gays formam uma família, companheiros do mesmo sexo serão dispensados de recorrer à Justiça toda vez que quiserem obter o reconhecimento de direitos decorrentes dessa união. Em muitos casos, eles esperam anos por uma decisão favorável.