Quem pensa que o debate sobre o assédio sexual no local do trabalho é fato recente, engana-se. Na década de 1960, com o ingresso de grande número de mulheres no mercado laboral, o “ sexual harassment” começou a entrar na pauta de debates do mundo jurídico e corporativo para que os dois universos pudessem entender quais eram as regras aceitáveis para serem adotadas ambiente de trabalho, uma vez que havia um vácuo legislativo sobre o tema.
Na verdade, em quase todos os países do mundo, as mulheres sempre sofreram – e de forma silenciosa – esse tipo de violência que envolve insulto e intimidação, desde quando ingressam no mundo do trabalho, especialmente a partir da Revolução Industrial.
Os sindicatos trabalhistas em geral sempre procuraram uma legislação protetora para a exploração física do trabalho feminino, mas pouco se preocuparam quanto ao comportamento sexual predatório no local do trabalho contra as trabalhadoras, até porque eram comportamentos quase que normalizados.
Somente com o crescimento do movimento feminista e já com uma pauta contra a cultura e tolerância ao assédio sexual no ambiente laboral, o tema começou a sair da invisibilidade. A expressão assédio sexual foi criada em 1975 por um grupo de mulheres da Cornell University.
Grosso modo, foi uma espécie de movimento precursor do “ #Me too” , ocorrido em 2017, quando a atriz Alyssa Milano tuitou pedindo que todas as pessoas que tivessem sofrido assédio sexual , denunciassem , gerando uma avalanche de acusações, muito especialmente contra o todo poderoso produtor hollywoodiano, Harvey Weinstein, alvo de execração pública, impensável em décadas passadas.
Mas, de volta ao caso da década de 1970, o tema envolveu a demissão de uma funcionária da universidade de Cornell, de nome Carmita Wook. Ela se demitiu e entrou com pedido de seguro-desemprego, quando teve negados os seus benefícios pela universidade, que alegou ter ela se desligado por motivos pessoais, quando, na verdade, vinha sendo molestada pelo seu gestor .O episódio desencadeou a formação de um grupo de mulheres de diferentes setores que passaram a compartilhar suas experiências de assédio sexual no trabalho.
A partir da cobertura da imprensa e de pesquisas, o tema eclodiu e teve repercussão mundial.
Os dois tipos de assédio contemplados pela doutrina brasileira são similares aos desenvolvidos pelas advogadas feministas na época , como Catharine MacKinnon, que ajudou a transformar em uma teoria jurídica, distinguindo dois tipos de assédio – aquele que cria ambiente hostil para mulheres e o “quid pro quo”, no qual a oportunidade para ascender na carreira só surge em troca de favores sexuais.
A este respeito, muito similar à doutrina brasileira, que admite os tipos por intimidação ou cometido por chantagem, ou seja, a troca de favores sexuais para alcançar determinada vantagem profissional.
Nos termos do artigo 216-A do Código Penal brasileiro , o assédio sexual é o ato de “constranger alguém, com o intuito de obter vantagem ou favorecimento sexual, prevalecendo-se o agente da sua condição de superior hierárquico ou ascendência inerentes ao exercício de emprego, cargo ou função”.
Vale aqui o registro que a Reforma Trabalhista alterou vários dispositivos, mas nada acresceu sobre o assédio sexual no ambiente corporativo. Na busca do trabalho, o responsável por reparar a vítima de abuso sexual continua sendo a empresa, que pode ser acionada pela vítima para reparar danos morais e materiais sofridos via a rescisão indireta do contrato de trabalho com todos os direitos respeitados de uma demissão sem justa causa.
Certamente, o fato do gênero na discussão do assédio sexual predomina, porquanto a independência econômica que a mulher vem alcançando na atualidade com a atividade produtiva conflita com séculos de cultura sexista e pode acabar por gerar um ambiente corporativo hostil às mulheres, que também passam a ser segregadas e terem menor possibilidade de ascensão na carreira, transformando-se em assédio moral.
Esse tipo de comportamento , infelizmente agressivo e discriminatório, tem nas mulheres suas vítimas preferenciais. Por isso, o assédio sexual é mais visto como preconceito de gênero.
No que concerne ao assédio sexual no trabalho , temos um aspecto da desigualdade de gênero, uma vez que ainda há mais homens do que mulheres nas corporações, sendo que há homens que ocupam posições de liderança em muito maior número.
Um estudo realizado pelo Instituto Brasileiro de Governança Corporativa revelou, a título de exemplo, que mulheres exercentes de cargos de diretoria ou de conselho ainda não representam nem 15% do total. No entanto, o assédio ocorre e tem lugar não somente nas relações ditas verticais, hierárquicas, de relações e de poder, mas também horizontais, com e entre colegas de trabalho.
Atualmente, e já não era sem tempo, a legislação brasileira assegura o direito de todos os trabalhadores contra o assédio sexual, independente de sua orientação sexual.
Com o apoio de Programas de Compliance, nos tempos atuais existe um incentivo dentro das corporações para que as vítimas de assédio sexual denunciem, sem o temor de reprimendas ou da perda do emprego.
Os danos às vítimas desse crime já se encontram registrados na jurisprudência e na melhor literatura trabalhista, com consequências à saúde física e psicológica, além, por certo, de danos socioeconômicos.
Em 2013, a 1ª Turma do Tribunal Superior do Trabalho reconheceu como doença profissional o Transtorno Obsessivo Compulsivo (TOC) desenvolvido por trabalhador vítima de assédio sexual e moral. O relator do recurso, juiz José Maria Quadro de Alencar, reconheceu que a doença foi adquirida em função da atividade exercida em ambiente hostil de trabalho. No entanto, houve ressalva porque o TOC não consta do rol de doenças profissionais, constantes dos incisos I e II, do artigo 20 da Lei 8.213/91.
Uma vez caracterizado o assédio sexual no trabalho, a vítima tem direito e faz jus à indenização para reparação do dano (artigo 927 do Código Civil), sendo competência atribuída à Justiça do Trabalho, já que envolve relação trabalhista. Nesses casos é considerada falta grave do empregador, tendo a vítima o direito à dispensa imotivada, com o pagamento de todos os direitos.
A Justiça do Trabalho tem se mostrado cada vez menos tolerante , e com razão, com as empresas que não tomam medidas e providências verdadeiras e efetivas contra a prática do assédio sexual em suas dependências, como ocorreu recentemente contra uma instituição financeira, que além da condenação pecuniária, recebeu como sanção a obrigação de adotar boas práticas no trabalho para evitar o assédio sexual e moral contra seus trabalhadores e trabalhadoras.
*Gilda Figueiredo Ferraz de Andrade é advogada militante, graduada pela USP, com especialização em Direito Empresarial pela USP. Foi conselheira OAB-SP por cinco mandatos; membro do IASP, Academia Paulista de Letras Jurídicas, Academia Paulista de Direito do Trabalho e conselheira da AAT-SP. Integra o Conjur (Conselho Superior de Altos Estudos Jurídicos) e o Cort (Conselho de Relações do Trabalho) da Fiesp