A Instrução Normativa da Receita Federal do Brasil nº 2.288/2025 traz novas regras para habilitação e utilização de créditos tributários oriundos de ações coletivas, especialmente mandados de segurança impetrados por associações ou sindicatos.
Sabemos que o seu objetivo central é restringir abusos das chamadas “associações genéricas” que, sem representatividade clara, buscam habilitar créditos tributários oriundos de ações coletivas, atitude totalmente reprovável que deve ser enfrentada como possível fraude processual punindo civil e criminalmente os responsáveis.
Todavia, ao tentar coibir abusos de associações genéricas, a Receita Federal criou restrições administrativas que podem ultrapassar sua competência, levando a possíveis ilegalidades que afetarão a representatividade de associações e sindicatos legitimamente constituídos de diversos setores, suscitando questionamentos judiciais quanto à sua compatibilidade com princípios constitucionais e com a jurisprudência consolidada do Supremo Tribunal Federal.
Atuação de sindicatos e associações
Segundo a Constituição, sindicatos, entidades de classe e associações legalmente constituídas e em funcionamento há pelo menos um ano podem impetrar mandado de segurança coletivo por legitimação extraordinária, ocorrendo a denominada substituição processual dos associados, conforme o artigo 5º, inciso LXX. No processo coletivo, essas entidades defendem interesses de terceiros em nome próprio, diferentemente da representação, onde alguém age em nome alheio.
A Constituição conferiu ao mandado de segurança coletivo legitimação ativa diferenciada, tornando-o instrumento de tutela coletiva de direitos. Vale dizer, outorgou aos legitimados para impetração do mandamus coletivo a substituição processual, atribuindo às associações, aos partidos políticos, entidades de classe o poder de litigar coletivamente na defesa dos interesses dos seus membros.
No mandado de segurança coletivo, a Constituição permite amplamente a atuação em nome próprio por interesse de terceiros, afastando quaisquer restrições infraconstitucionais, nem lei nem qualquer instrução normativa pode limitar essa atuação.

Spacca
O Superior Tribunal de Justiça entende que, nos termos da Súmula 629/STF, a associação ou o sindicato, na qualidade de substituto processual, atua na esfera judicial na defesa dos interesses coletivos de toda a categoria que representa, sendo dispensável a relação nominal dos afiliados e suas respectivas autorizações.
Por sua vez, o Supremo Tribunal Federal também entende pela legitimidade de entidade de classe para impetrar mandado de segurança coletivo ainda quando a pretensão veiculada interesse apenas a uma parte da respectiva categoria, nos moldes da Súmula 630 do Supremo Tribunal Federal.
E, reforce-se, em se tratando de mandado de segurança coletivo, sequer há obrigatoriedade de apresentação de listagem de associados/filiados da substituta processual no momento da impetração em juízo.
Ilegalidades de novas regras
Após as devidas considerações iniciais, abordaremos as potenciais ilegalidades da nova norma infralegal.
A Instrução Normativa nº 2288/25, no que se refere às associações, determina que apenas substituídos já filiados na data da impetração do mandado de segurança coletivo podem usufruir dos créditos reconhecidos judicialmente. Ocorre que o STF admite, em determinadas hipóteses, a extensão dos efeitos da decisão a substituídos (associados) posteriores, desde que haja pertinência temática e representatividade adequada. Ao impor restrição absoluta, a Receita extrapola sua competência regulamentar e contraria entendimento jurisprudencial, sem qualquer base constitucional ou legal.
A norma exige uma série de documentos para habilitação do crédito, como a cópia do contrato social ou do estatuto da pessoa jurídica vigente na data do ingresso na categoria ou da filiação. Essa exigência é desproporcional, muitas empresas não guardam versões históricas de seus estatutos, o que pode tornar impossível cumprir a exigência. Isso viola o princípio da razoabilidade e dificulta o acesso a direitos.
A instrução normativa prevê o indeferimento do pedido caso o mandado de segurança tenha sido impetrado por associação de caráter genérico. Ainda que correta a ideia, o problema aqui é que a avaliação da legitimidade de uma associação é competência exclusiva do Poder Judiciário. Ao assumir esse papel, a Receita Federal invade esfera jurisdicional, violando o princípio da separação de poderes.
Outra polêmica é a restrição do direito creditório apenas aos fatos geradores posteriores à filiação. Em outras palavras, a norma “fecha a porta” para novos filiados ou integrantes da categoria depois da decisão final. A decisão em mandado de segurança coletivo apenas reconhece direito anterior, e sendo substituição processual, a limitação administrativa afronta esse instituto, pois reduz o alcance de um direito consolidado, se o título não restringiu expressamente aos filiados anteriores, o fisco não pode impor essa limitação.
O debate evidencia a tensão entre o combate a fraudes e a preservação dos direitos fundamentais dos contribuintes, exigindo equilíbrio entre eficiência administrativa e respeito às garantias constitucionais. A INRFB nº 2288/2025 representa um esforço da Receita Federal para conter esses abusos de associações genéricas no campo das compensações tributárias. Contudo, ao impor restrições que extrapolam sua competência regulamentar, a norma incorre em potenciais ilegalidades.
- Caio Cesar Braga Ruotoloé advogado tributarista em São Paulo, sócio do escritório Silveira Law, juiz do Tribunal de Impostos e Taxas do Estado de São Paulo, consultor jurídico externo da Associação Brasileira da Indústria de Máquinas e Equipamentos Abimaq, Membro do Conselho de Assuntos Tributários da Fecomércio em São Paulo, ex- coordenador jurídico da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo, ex-membro da Comissão de Direito Tributário da OAB-SP e da Comissão de Assuntos Fiscais da CNI, pós-graduado com especialização em Direito Empresarial pela Universidade Presbiteriana Mackenzie e em Direito Constitucional pela Escola Superior de Direito Constitucional e em Gestão de Recursos Humanos, com experiência consultiva e contenciosa nas áreas de Direito Tributário, Empresarial, Ambiental, Aeronáutico e crimes contra a ordem tributária.
Fonte: Estadão