Quando foi eleito presidente da República pela primeira vez, em 2002, Lula discursou com a voz embargada: "Que ninguém nunca mais ouse duvidar da classe trabalhadora."
Vinte anos atrás, a chegada ao Palácio do Planalto do ex-metalúrgico sem diploma universitário — como ele próprio gostava de frisar — foi impulsionada por uma ampla concentração de forças.
A base era composta por sindicatos e movimentos sociais do campo, apoiados por setores progressistas da Igreja Católica e das universidades.
Porém, duas décadas depois, essa combinação já não existe mais. Ou, na melhor das hipóteses, já não demonstra o mesmo vigor.
E é justamente o diálogo com a classe trabalhadora, da qual Lula sempre se arvorou representante por excelência, que o líder petista terá como um dos principais desafios de seu terceiro mandato, a partir de janeiro do ano que vem. Os motivos são diversos.
Em primeiro lugar, há uma evidente crise de legitimidade dos sindicatos, agravada pela Reforma Trabalhista de 2017 que implodiu o financiamento dessas entidades.
Além disso, desde a recessão de 2015 e o subsequente impeachment de Dilma Rousseff, importantes mudanças vêm se consolidando no mercado de trabalho brasileiro. Uma das mais relevantes é aquilo que Ruy Braga, professor de sociologia do trabalho da Universidade de São Paulo (USP), chama de "Nova Informalidade".
Resumidamente, a típica trajetória do trabalhador brasileiro médio, que ao longo de sua vida laboral buscava fazer a transição do bico para a carteira assinada, já não parece seguir os mesmos passos da época em que Lula conquistou seu primeiro mandato presidencial.
Braga fareja uma desconexão cada vez maior entre esses dois mundos. Quer dizer: quem começa na informalidade dificilmente consegue dar o salto para a formalidade — que paga salários mais altos e oferece trabalhos mais qualificados.
Existe uma série de componentes que explicam esse novo cenário, para além da performance econômica pífia que o país vem registrando há pelo menos sete anos. E eles vão da ascensão da economia digital, alicerçada na erosão dos direitos trabalhistas, à popularização do empreendedorismo "fé em Deus e pé na tábua" da Teologia da Prosperidade, para além dos templos evangélicos neopentecostais.
Dialogar com a crescente base de informais alargada na ressaca da pandemia, e que hoje responde por quatro a cada dez trabalhadores, é sem dúvida um dos principais desafios do terceiro mandato de Lula.
Assim como será especialmente difícil aprimorar a qualificação da mão de obra para alavancar a produtividade do brasileiro e, de quebra, aumentar a renda do trabalho, num país em que 37% das pessoas ganham até um salário mínimo.
Lula continua sendo um autêntico representante da classe trabalhadora brasileira — vem precisamente daí sua identificação com o eleitorado que lhe garantiu um terceiro mandato. Mas há diferenças nada sutis entre o Brasil de 2002 e o de 2022. Resta saber se ele será bem-sucedido na captação dessas nuances.