Mover a economia deve ser o objetivo número um do governo, passada a pior fase da pandemia. O Brasil completa em 2020 sete anos de crise, iniciados com a pífia expansão de 0,5% em 2014. É preciso continuar socorrendo os mais vulneráveis, mas nenhum combate à pobreza irá longe com a produção emperrada e o desemprego elevado. A insegurança alimentar assolava 36,7% dos domicílios em 2017-2018, segundo acaba de revelar o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). O empobrecimento começou, portanto, bem antes do surto de covid-19, e é preciso reverter esse longo processo.
A redução da pobreza tem acompanhado, nas últimas décadas, a expansão da economia. Programas de apoio aos mais pobres, como o Bolsa Escola e, depois, o Bolsa Família, foram obviamente importantes, mas seria um erro subestimar o papel da expansão econômica e da criação de oportunidades Em 2004 eram 34,9% os domicílios com insegurança alimentar. Essa parcela diminuiu para 30,2% em 2009 e 22,6% em 2013, segundo o IBGE. Em seguida, voltou a aumentar e chegou a 36,7% em 2017-2018, embora o governo tenha mantido as ações de transferência de renda. Qual a explicação?
A economia emperrou a partir de 2014. Cresceu nesse ano apenas 0,5%, entrou em recessão nos dois anos seguintes e depois começou a recuperar-se lentamente. Entre 2017 e 2019 o Produto Interno Bruto (PIB) acumulou expansão de 3,7%. Na crise de 2015-2016 havia diminuído 6,6%. Completam-se agora sete anos de empobrecimento – pela redução do PIB por habitante, pelo aumento do desemprego, pela expansão da informalidade e, de modo mais amplo, pela diminuição das oportunidades.
O crescimento da ocupação por conta própria mal disfarçou a piora das condições de sobrevivência. Com os novos desafios, alguns podem ter descoberto, talvez até com surpresa, uma vocação empreendedora. Na maior parte dos casos, iniciar um negócio deve ter sido simplesmente uma forma de evitar ou adiar um desastre.
Com a crise deflagrada pela pandemia, a pobreza ficou mais visível e mais chocante, a ponto de atrair o olhar de quem nunca havia mostrado interesse pelos problemas sociais, como o presidente Jair Bolsonaro e boa parte da equipe econômica. Era preciso socorrer essa gente, até para garantir alguma sustentação às empresas.As ações emergenciais do governo, semelhantes àquelas implantadas em dezenas de países de todo o mundo, atenuaram os efeitos da nova recessão. Além disso, revelaram ao presidente os possíveis ganhos eleitorais de alguma atenção aos pobres, especialmente em áreas dominadas por seus adversários políticos. Um dos efeitos imediatos foi a ideia de um programa social com marca própria. Mas de onde tirar o dinheiro?
Para evitar soluções polêmicas, o presidente proibiu qualquer nova referência a seu programa, o Renda Brasil, mas admitiu a busca de soluções, no Congresso, durante a discussão do Orçamento. O possível custo poderá ficar para os parlamentares, mas ele poderá encaixar a maior parte do ganho, se houver algum.
Enquanto se busca, ainda sem resultado, uma solução para esse problema, o governo mantém sem resposta o desafio maior – como sustentar e fortalecer a retomada. Ministros batem cabeças, como têm feito há meses, sem apontar um roteiro de recuperação bem definido e compatível com as limitações das contas públicas, um desafio incontornável em 2021.
Em 2017-2018, a insegurança alimentar assombrava 25,3 milhões de domicílios, habitados por 84,9 milhões de pessoas. Os domicílios em pior situação, com sério risco de fome, eram 10,3 milhões. Dificuldade para comer num país com enorme produção de alimentos só se explica por falta de dinheiro, isto é, de oportunidades mínimas de trabalho compensador.
Programas assistenciais, como o Bolsa Família, podem garantir condições imediatas de sobrevivência aos muito pobres, mas só o crescimento da produção e das oportunidades de trabalho reduzirá a pobreza. O quadro recém-revelado pelo IBGE contém uma pauta para o governo. Falta o governo perceber esse fato.