A viúva e o filho de um contabilista de 42 anos, vítima da Covid-19 em abril de 2021, poderão receber cerca de R$ 500 mil como indenização trabalhista pela morte do familiar. Em decisão de primeira instância, cabendo ainda recursos, a Justiça do Trabalho de Goiás entendeu que a contaminação da doença para este caso tem alta probabilidade de ter ocorrido no escritório de contabilidade em que o homem trabalhava em Goiânia. Isso porque a empresa atuou normalmente durante os anos de 2020 e 2021, mesmo contrariando os decretos municipais que proibiam a abertura das atividades em determinados períodos como forma de contenção da pandemia.
A decisão, dada no último dia 22, é em primeira instância e ainda cabe recurso por parte da empresa. O documento determina o pagamento de R$ 60 mil em danos morais para a viúva e o filho de 6 anos e ainda um pagamento de pensão correspondente a 70% de dois terços do salário que o homem recebia por cerca de 34 anos e seis meses. O cálculo se baseia na expectativa de vida de um homem de 42 anos, que iria até 76,6 anos. Assim, a família deve receber R$ 1.095,44, que serão corrigidos anualmente de acordo com os reajustes salariais da categoria de trabalho da vítima.
Advogado da família da vítima, Luís Gustavo Nicoli, afirma que tomou conhecimento do caso após contato da viúva, que o viu comentando sobre os direitos trabalhistas durante os decretos dos últimos anos na TV Anhanguera. “Eu falava sobre as responsabilidades das empresas pela manhã na televisão e a tarde a esposa entrou em contato comigo, dizendo que tinha ocorrido com o marido dela a contaminação enquanto ele trabalhava.” Nicoli esclarece que o relato apresentado mostrava a omissão da empresa para com seus funcionários.
“O escritório assumiu o risco ao não obedecer os decretos municipais, inclusive a empresa foi fiscalizada pela prefeitura”, afirma o advogado, que ressalta até mesmo haver indícios de que o local chegou a ser multado pelo Paço Municipal pelo funcionamento irregular, o que não foi negado e nem confirmado durante o processo. Segundo consta os autos do processo, em 27 de fevereiro do ano passado a Prefeitura de Goiânia decretou a suspensão das atividades consideradas não essenciais, mas o escritório de contabilidade continuou a funcionar.
A vítima testou positivo para Covid-19 em março de 2021, foi afastado do trabalho presencial no dia 8 de março e foi a óbito em 1º de abril. Nesta época, o escritório atuou com as portas fechadas, sem atendimento ao público, mas com os funcionários sem o distanciamento devido. No dia 27 de março, a atividade de contabilidade passou a ser considerada como essencial e passou a ter a liberação para funcionar, quando o homem já havia sido contaminado e estava prestes a ser internado, vindo a falecer poucos dias depois.
O processo mostra ainda que um total de 10 funcionários foram contaminados por Covid-19 na mesma época do fato. Nicoli afirma ainda que os demais funcionários do escritório, depois da contaminação da vítima, comentaram em um grupo de aplicativo de mensagens sobre como a empresa continuou funcionando sem o cumprimento dos decretos municipais. “Eles proibiram os funcionários de usar uniforme e até mesmo de parar o carro no estacionamento do escritório para ninguém ver que estava funcionando normalmente.”
Ações têm decisões controversas
As ações trabalhistas indenizatórias decorrentes de familiares de vítimas de Covid-19 trazem decisões controversas, até então. Em março deste ano, por exemplo, a justiça goiana negou em segundo grau a indenização para a família de um motorista de caminhão de Itumbiara, cuja alegação foi de contaminação da doença em decorrência de uma viagem realizada pela vítima a trabalho.
Na ocasião, no entanto, a Justiça do Trabalho entendeu não haver prova cabal de que a contaminação se deu com a viagem ou em razão dela, visto que o trabalho se baseava em ficar solitário no veículo.
No primeiro grau, o pedido da família foi acolhido e a transportadora havia sido condenada ao pagamento de indenização por danos morais e materiais. A empresa, no entanto, não se conformou com a decisão e buscou a alteração da sentença.
Por outro lado, em Minas Gerais, no ano passado, a família de outro motorista conseguiu indenização de R$ 200 mil decorrente de processo em razão de morte após contaminação por Covid-19 no trabalho. O advogado Luís Gustavo Nicoli afirma que ainda são poucas ações na justiça goiana a respeito de indenizações trabalhistas sob este argumento, mas ele acredita que isso vai aumentar nos próximos meses. “Muitas empresas usaram esse artifício de trabalharem mesmo com os decretos proibindo”, acrescenta. Ele lembra ainda que no caso específico da decisão dada na última semana o processo deixou claro que a empresa não atuou para propiciar segurança aos seus funcionários. A reportagem não conseguiu contato com o escritório de contabilidade até a conclusão da reportagem.