Governo propõe simplificação trabalhista via decreto e entidades apontam inconstitucionalidade

O governo Jair Bolsonaro (sem partido) quer criar um programa permanente de simplificação da legislação trabalhista por meio de um decreto, ainda sem data para ser publicado. A versão mais recente do documento, tornada pública em janeiro, quando uma minuta foi colocada em consulta, já despertou críticas no judiciário trabalhista ao plano.

Para advogados, juízes, procuradores e auditores do trabalho, o programa extrapola os limites constitucionais para a edição de decretos regulamentares. No último dia 9, cinco entidades enviaram ofício ao secretário do Trabalho, Bruno Dalcolmo, solicitando a exclusão de 25 artigos, de maneira integral ou parcial, dos 181 incluídos na proposta.

Eles pedem a exclusão, por exemplo, de artigos que tratam da fiscalização trabalhista. Uma das mudanças propostas no texto que circulou para consulta pública estabelece que denúncias de falta pagamento de parte do salário ou diferenças rescisórias não estão entre as hipóteses que motivam ação de inspeção do trabalho.

A consulta pública aberta pelo Ministério da Economia e pela Casa Civil terminou no dia 6 de março. O prazo, que inicialmente terminaria em 19 de fevereiro, foi prorrogado após pressão das entidades, que encaminharam uma nota técnica à Secretaria Geral da Presidência da República contrária à edição do decreto.

Assinaram a nota técnica e o ofício encaminhado no início do mês Sinait (Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais do Trabalho), Anamatra (Associação Nacional dos Magistrados do Trabalho), ANPT (Associação Nacional dos Procuradores do Trabalho) e Abrat (Associação Brasileira de Advogados Trabalhistas).

A presidente em exercício da ABMT (Associação Brasileira de Magistrados do Trabalho), Olga Vishnevsky Forte, afirma, em nota, que a entidade concorda com as demais associações quanto à "invasão da norma na esfera legal".

O projeto divulgado pelo governo no fim de janeiro tem oito páginas, nas quais são reunidos os textos de 20 decretos vigentes. Segundo o Ministério da Economia, outros 31 decretos também poderão ser revogados, alguns deles porque serão incluídos nesse compilado, outros porque já estão obsoletos.

A Secretaria de Trabalho diz que está "na fase final do processo de análise das contribuições da consulta pública e do debate mais aprofundado com alguns setores". Ao todo, diz ter recebido 2.803 contribuições da sociedade em geral.

No dia 6 de abril, o secretário de Trabalho do Ministério da Economia, Bruno Dalcolmo, encaminhou às entidades um ofício no qual diz que as associações não apresentaram justificativas específicas para a exclusão de artigos do texto e que também não comprovaram que a proposta violasse a lei.

Para o grupo, ao usar o decreto para a consolidação de regras, o Executivo estaria agindo para atuar "com excessiva discricionariedade na suposta regulamentação dos direitos trabalhistas", segundo a nota.

As entidades afirmam também que a revisão da legislação trabalhista precisaria passar por um diálogo entre as partes interessadas, que são governo, empregadores e trabalhadores. "O mecanismo revisional proposto", dizem, " gera instabilidade legislativa em matéria tão sensível ao desenvolvimento socioeconômico nacional".

A Secretaria de Trabalho diz que o texto foi discutido em reuniões específicas com instituições e que, após esse ciclo de encontros e análises por equipe técnica, uma nova minuta passará pelo crivo da Procuradoria Geral da Fazenda Nacional.

Para o advogado trabalhista Luiz Calixto Sandes, do escritório Kincaid | Mendes Vianna Advogados, a proposta do governo é positiva, diante do número de regras trabalhistas existentes além da CLT (Consolidação das Leis do Trabalho). Em muitos casos, segundo ele, o decreto apenas reuniu essas legislações nesse mesmo documento.

O especialista afirma que a consolidação poderia desburocratizar e dar segurança jurídica aos contratos.

Um desses casos é o do tipo de responsabilidade da empresa que terceiriza serviços quando a intermediária não cumpre a legislação trabalhista, ou fecha sem pagar salários, por exemplo.

Sandes diz que o decreto deixa claro o entendimento de que a responsabilidade é subsidiária, e não solidária. Essa diferença é alvo de disputa judicial.

No primeiro caso, são executados antes os bens do empregador, ou seja, da terceirizada. Somente depois, quando há necessidade, é que o contratante (a empresa que contrata a terceirizada) é acionado para pagar os direitos dos trabalhadores. Na responsabilidade solidária, segundo Sandes, o advogado do funcionário pode, já ao iniciar a ação, executar as duas empresas.

No entanto, as entidades ligadas ao judiciário trabalhista pediram a exclusão do artigo que trata desse tema, por entender que, ao fixar o tipo de responsabilidade, o governo faz uma inovação legislativa, só possível por meio de projeto de lei.

Na avaliação Sandes, também é interessante a criação de um canal eletrônico para denúncias e pedidos de fiscalização. A minuta prevê que as informações enviadas por meio deste canal poderão ser usadas no planejamento de ações de inspeção quando incluírem risco grave aos trabalhadores, calote no pagamento de salário, trabalho infantil ou indício de trabalho escravo ou análogo.

Segundo o Ministério da Economia, a primeira versão desse decreto foi elaborada ainda em 2019, após consulta pública preliminar. As novas sugestões ainda serão analisadas pelas equipes técnicas antes de serem incorporadas ao texto final. Depois, será novamente submetido à análise jurídica da PGFN (Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional), antes de seguir ao presidente Jair Bolsonaro.

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