Jornada de trabalho excessiva pode render multa até 10 vezes maior às empresas

Elas estão entre as principais empresas do país. Têm milhares de clientes e funcionários e pagam pontualmente os salários. Mas são infratoras recorrentes em jornada excessiva —quando o empregado faz mais que duas horas extras por dia, não tem descanso semanal ou não cumpre o intervalo mínimo de 11 horas entre jornadas.

Para combater o problema, um projeto pioneiro do Ministério do Trabalho do Paraná pôs uma lupa nas maiores empresas do Estado. Em quatro anos, R$ 46,8 milhões em multas e condenações foram aplicados para inibir jornadas excessivas (em parte delas, cabe recurso).

Antes da iniciativa, os fiscais diziam se sentir “de mãos atadas”: cerca de 90% das multas aplicadas a grandes empresas, a maior parte por falta de descanso semanal e horas extras, eram pagas sem qualquer contestação –e as infrações voltavam a aparecer nos anos subsequentes.

“Não mudava nada. A multa é ínfima, ridícula”, diz a auditora Erika Medina Stancioli, coordenadora do projeto, batizado de Maiores Infratores. Algumas empresas chegaram a oficializar ao ministério que não iriam recorrer e pagariam as multas, para ficar “sem pendências trabalhistas”. A multa por ocorrência, em média, é de R$ 2.000.

“Para elas, era mais barato pagar a penalidade do que cumprir a lei. É uma opção financeira”, diz o auditor do trabalho Enio Bezerra Soares, idealizador do projeto.

MAIORES INFRATORES
Projeto quer impedir grandes empresas de excederem jornada de trabalho.

O órgão, então, selecionou as 150 empresas que tinham o maior número de infrações no Estado –na maioria, supermercados, magazines, redes varejistas e bancos.

Os auditores promoveram novas fiscalizações, identificaram a reincidência e enviaram um dossiê ao Ministério Público do Trabalho, que os acionou judicialmente. Conseguiram firmar acordos e obter multas milionárias.

“Esse levantamento acaba por vez com as alegações de que se trata de situação isolada. É uma rotina”, diz o procurador-chefe do Ministério Público do Trabalho no Paraná, Gláucio Oliveira.

Até agora, 26 empresas foram fiscalizadas. Dessas, 18 foram acionadas na Justiça, das quais 12 foram condenadas ou firmaram acordo para pagar multas. “Aí começa a pesar no bolso”, comenta Oliveira.

Em outros cinco casos, o processo está em fase inicial e não foi julgado. Em outro, a ação não foi considerada procedente, mas o Ministério Público ainda recorre.

As Lojas Colombo, por exemplo, pagaram pouco mais de R$ 6.000 em 2010 aos fiscais, por excessos de jornada com dezenas de trabalhadores. Acionada na Justiça pelo mesmo problema em 2012, foi multada em cerca de dez vezes mais: R$ 70 mil.

MODELO

Algumas empresas questionam a ação do Ministério do Trabalho. Mesmo assim, boa parte melhorou seus hábitos e diminuiu consideravelmente as infrações após as fiscalizações –como as Casas Pernambucanas, que ainda respondem na Justiça.

Em alguns casos, porém, os problemas permanecem. O supermercado Condor, por exemplo, é reincidente: em 2014, pagou R$ 1 milhão num acordo por deixar de conceder descanso semanal. Um ano depois, nova fiscalização mostrou que o problema continuava –e a rede teve de pagar outros R$ 7 milhões.

Para Oliveira, do MPT, o projeto é “um modelo” para o país, já que ampara o empregado que está na empresa e soluciona uma demanda coletiva, economizando recursos da Justiça.

Falta, porém, estrutura de fiscalização: há só dois auditores dedicados ao projeto no Ministério do Trabalho.

OUTRO LADO

A maioria das empresas fiscalizadas pelo projeto Maiores Infratores sustenta que as irregularidades são “pontuais” -e não “históricas e sistemáticas”, como aponta o Ministério do Trabalho.

Parte delas recorre das condenações na Justiça.

Os supermercados Condor argumentam que o número de irregularidades é “excepcional” diante do horário de funcionamento e do elevado número de empregados.

A empresa considera a conclusão do Ministério do Trabalho “absurda e leviana” e afirma que o pagamento dos acordos e multas mostra sua “intenção de dar integral cumprimento” à lei.

O Ponto Frio, condenado a pagar R$ 5 milhões, diz que não foi intimado a se defender e afirma que a cobrança é equivocada.

As Lojas Americanas afirmam estar “muito próximo do ideal”. Para a defesa, infrações sobre outros temas foram juntadas para dar substância ao pedido e acabaram consideradas na condenação.

O Itaú também garante que as falhas são “pontuais” e recorre da sentença. A empresa diz que está produzindo um diagnóstico nacional em relação à jornada e que deve adotar uma nova tecnologia de ponto para evitar falhas.

Em nota, o Bradesco informou que “cumpre integralmente” a legislação trabalhista e que não comenta casos judiciais em andamento.

O Grupo Pão de Açúcar diz que “tomou as medidas necessárias” em relação ao caso (a empresa pagou R$ 2,8 milhões em acordo). A empresa afirma cumprir rigorosamente a lei e realiza auditorias periódicas para reforçar essa diretriz.

As empresas Walmart Brasil, Magazine Luiza e Casas Bahia também dizem cumprir a lei e investir em treinamentos para evitar e coibir falhas.

As Lojas Colombo não se posicionaram até o fechamento desta edição.

A Folha não conseguiu contato com as Drogarias Nissei. (EHC)

 

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