Ministério do Trabalho em Goiás recebe três queixas por dia sobre Covid-19

O Ministério Público do Trabalho em Goiás (MPT-GO) recebeu 1.172 denúncias envolvendo trabalho e Covid-19 desde o início da crise sanitária. As primeiras foram registradas poucos dias após a declaração de pandemia pela Organização Mundial da Saúde (OMS) e desde então, se mostraram constantes. Apenas em 2021, já são 176. No ano passado foram 996. A média é de pelo menos três por dia e incluem desrespeito às regras de distanciamento e higiene nas empresas, home office para grupo de risco e até mesmo falta de segurança aos profissionais de saúde. Até o momento, 33 ações foram ajuizadas na Justiça do Trabalho como consequência dos relatos recebidos. O número de casos, entretanto, pode ser ainda maior.

Maria (nome fictício), de 33 anos, é secretária em um escritório de advocacia da capital e conta que a empresa possui outros sete colaboradores, mas é a única a utilizar máscara diariamente. “O discurso aqui é: uma hora todo mundo vai pegar. Eu fico com muito medo porque além de não usarem máscaras, estão vivendo como se não houvesse pandemia. É muita irresponsabilidade e nenhuma preocupação com os outros”, completa. A secretária afirma também que mesmo quando os decretos previam o fechamento do estabelecimento, o trabalho continuou. “Pediram para virmos usando roupas informais para não chamar atenção”, acrescenta.

No ano passado, Lara (nome fictício) trabalhou como vendedora em uma loja de decoração de luxo de Goiânia e mesmo precisando do emprego, acabou pedindo demissão em quatro dias por causa da chefia que negava os riscos da Covid-19. Em um dos dias de trabalho, ela conta que uma equipe foi até à casa de uma cliente para comercialização de papéis de parede e itens de decoração. “A cliente era irmã da dona da loja e quando chegamos à residência, a mulher, a empregada e o filho estavam sem máscara. Disseram que todos tinham testado positivo para a doença, mas que já estavam ‘sarando’. Aí quando eu, a outra vendedora e minha chefe chegamos, ela falou: ‘ah não, gente, tira a máscara, odeio falar com gente com máscara. É só uma gripe, melhor todo mundo pegar logo para passar’…”, recorda Lara.

Lara explica que a chefe pediu para que as duas vendedoras tirassem as máscaras, que se sentiu em choque e tirou pela pressão. “Fomos tirar medidas em outro ambiente e escutei o marido da cliente chegando do hospital. Disse que tinha dado positivo o exame, mas que o médico tinha receitado a hidroxicloroquina e que ia ficar tudo bem. Coloquei de novo a máscara, mas quando cheguei na loja levei uma bronca. Ela me disse que o cliente sempre tinha razão e que se pediu para eu tirar a máscara, não devia colocar novamente. Pedi demissão no dia seguinte, mas quando ela questionou o motivo, eu menti, não tive coragem de falar.”

Procuradora do Trabalho em Goiás, Milena Costa explica que com o início da pandemia, o tema Covid-19 foi inserido como filtro para as ações e grupos foram criados dentro do MPT. Entre as principais demandas: o trabalho dentro das unidades de saúde públicas e privadas, a contaminação em indústrias de alimentos e segurança. Frigoríficos chegaram a cogitar fechar atividades ainda em março de 2020 e outros foram obrigados judicialmente a realizar testagem ampla. “Tivemos inclusive denúncias de trabalhadores que continuaram exercendo as atividades até que o resultado de Covid-19 saísse. Quando sai o resultado do teste, essa pessoa já pode ter contaminado diversas outras. Aquele caso já passou, mas aí nosso trabalho é evitar o próximo”, pontua Milena.

Os problemas envolvendo empresas, órgãos públicos e colaboradores são diversos e foram se modificando ao longo da pandemia. Em setembro do ano passado, a segurança dos profissionais de saúde, por exemplo, acabou sendo alvo de uma ação civil pública contra a Prefeitura de Goiânia. Isto porque profissionais de saúde começaram a ser agredidos durante o trabalho especialmente em relação ao atendimento de pacientes com suspeita de terem contraído o coronavírus. Foi a partir daí que a Guarda Municipal passou a fazer o trabalho de segurança das unidades de saúde do município. Hoje, segundo a Prefeitura, o efetivo é de 570 profissionais.

 

Surgimento de questões é amplo

Advogado trabalhista, mestre em Direito das Relações Sociais e Trabalhistas e conselheiro federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Rafael Lara Martins afirma que surgiram muitas outras demandas incluindo funcionários que contraíram a Covid-19 e que buscam eventual indenização responsabilizando a empresa. Além disso, empregados que são do grupo de risco e não querem trabalhar presencialmente como forma de se resguardar. Rafael pontua ainda que essas demandas acontecem de diversas formas, com solicitação de autorização para trabalho em home office ou ainda com rescisão indireta do contrato de trabalho. 

A procuradora do Trabalho em Goiás, Milena Costa diz que uma ação foi ajuizada para que uma das organizações sociais (OS) que geria um hospital da capital emitisse Comunicações de Acidentes de Trabalho (CATs) como doença ocupacional. O caso aconteceu em março do ano passado. “Tivemos profissionais atendendo pacientes contaminados sem EPIs e que foram contaminados. Só pode ter se contaminado no trabalho e nestes casos, a Justiça chegou a deferir liminar”, recorda. No caso desta denúncia feita pelo MPT, a Justiça do Trabalho deu decisão favorável sob pena de multa diária de R$ 10 mil. A medida também valia para terceirizados com prazo de até 48 horas, sob pena de multa de R$ 5 mil para cada emissão fora do prazo. 

Rafael Lara Martins explica que em abril de 2020, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) suspendeu o artigo 29 da Medida Provisória 927 que dizia que a Covid-19 não era acidente de trabalho. “De lá pra cá, esse tema virou a via crucis no mundo trabalhista, com muita divergência e dificuldade de informações claras. Não incomum ressurgem os links (muitas vezes antigos) sugerindo que os trabalhadores que testaram positivo para a Covid-19 exijam de seus empregadores a emissão da CAT”, completa. 

Ações reduzem 15% no ano

No ano de 2020, em plena pandemia do coronavírus (Sars-CoV-2), o número de ações trabalhistas recebidas pelo Tribunal Regional do Trabalho da 18ª Região (TRT-GO) caiu 15% comparado a 2019. No total, foram recebidas 57.434 ações em 2020, aproximadamente 10 mil a menos que em 2019, quando foram ajuizadas 67.943. Para o presidente do TRT-GO, Daniel Viana Júnior, os números podem não demonstrar os problemas na relação empregado e empregador.
 
O presidente do TRT-GO não acredita que a grave situação econômica da maioria das empresas, por conta das paralisações para distanciamento social, por si só, inibam ou desmotivem os trabalhadores a ajuizar ações na Justiça do Trabalho. Para ele, tem mais relação com o agravamento das condições epidemiológicas. “Os conflitos não só continuam existindo como muito provavelmente intensificaram-se por conta da piora da economia e do fechamento de postos de trabalho e de empresas inteiras, por exemplo”, afirma. 

Para Viana, o deslocamento e a necessidade de encontros presenciais podem ter desmotivado trabalhadores na busca pelos direitos. “Todas as evidências levam a concluir que essa redução do número de processos trabalhistas em 2020 está relacionada com o receio dos trabalhadores de se deslocarem para procurar os direitos. Isso implica, obviamente, em deslocamento, visita ao escritório e entrevista com o advogado porque muitos não dispõem de meios tecnológicos para uma reunião por videoconferência. Além do mais, há necessidade de o trabalhador apresentar documentos para o advogado analisar, bem como a assinatura de procuração ou de um contrato de honorários, atos que quase sempre exigem uma reunião presencial”, completa. 

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