Com o início da vacinação contra a Covid-19, muitos grupos levantam a bandeira da liberdade em não se vacinar. No entanto, essa escolha pode acarretar problemas no trabalho, levando até à demissão por justa causa. Ingrid Platon, advogada trabalhista, fala que a tese fixada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) coloca como constitucional a obrigatoriedade de imunização, mas isso não quer dizer que a vacinação compulsória é uma vacinação forçada.
O cidadão que escolher não se vacinar pode ser submetido a medidas previstas em lei, como restrições ao exercício de certas atividades ou à frequência de determinados lugares.
“O Supremo ressaltou que embora a Constituição Federal proteja o direito de cada cidadão de manter suas convicções filosóficas, religiosas, morais e existenciais, os direitos da sociedade devem prevalecer sobre os direitos individuais”, afirma Ingrid Platon, advogada trabalhista.
Segundo a advogada, o empregado deve obedecer às normas de saúde, segurança e higiene impostas pelo empregador e autorizadas pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). O descumprimento de forma injustificada caracteriza ato faltoso, que pode gerar advertências, suspensões, justa causa ou rescisão indireta. “No episódio de recusa sem motivo do empregado a se vacinar é legítimo ao empregador aplicar alguma punição conforme a realidade vivenciada e a modalidade de trabalho, desde a suspensão do contrato de trabalho à justa causa”, diz Ingrid.
Ingrid reforça o pensamento de coletividade e alerta: “É neste contexto de pandemia, que se faz importante a prevalência do princípio da solidariedade, da colaboração, do direito à saúde coletiva e à dignidade que devem se sobrepor a direitos individuais. O momento é de união. De humanização das relações de trabalho e esforços mútuos para o enfrentamento das consequências econômicas, políticas e sociais que ainda nem temos noção da dimensão”, finaliza.
Confira a entrevista da advogada na íntegra e saiba o que empregado e empregador podem fazer em relação à obrigatoriedade da vacinação. Entre os pontos abordados na entrevista, Ingrid fala também sobre o uso obrigatório da máscara. Veja:
O empregador pode exigir do empregado a vacina da Covid-19?
Inicialmente deve-se considerar todas as condições de obrigatoriedade da vacina, especialmente a disponibilização de forma universal e gratuita.
Além disso, a inclusão da vacinação no plano nacional de imunização, bem como nos calendários municipais atenderão a etapas distintas e definidas a partir do risco da evolução da doença, da exposição ao vírus e de aspectos epidemiológicos da manifestação da pandemia no País.
Assim, tendo sido disponibilizada a vacina ao grupo do empregado gratuitamente, e não havendo nenhuma justificativa médica (empregado com alguma doença autoimune, em tratamento de câncer, por exemplo), o empregador pode sim exigir do empregado a vacina, com base nos artigos 157 e 158 da CLT.
A situação é comparável à de um empregado que se nega a usar um equipamento de proteção individual. Cabendo, inclusive punição no caso de recusa.
Para a admissão, um empregador pode exigir que o candidato à vaga seja vacinado contra a Covid-19?
Mesmo caso: Tendo sido disponibilizada a vacina ao grupo do empregado de forma gratuita, e não havendo nenhuma justificativa médica (empregado com alguma doença autoimune, em tratamento de câncer, por exemplo), o empregador pode exigir do empregado a vacina, inclusive na admissão.
Importante ressaltar mais uma vez que trata-se de questão de segurança e saúde coletiva que deve se sobrepor a convicções filosóficas, religiosas, morais e existenciais do indivíduo. Além disso, o empregador pode ser responsabilizado por ato de empregado que descumprir alguma norma restritiva, como o pagamento de multa. Daí decorre maior zelo na fiscalização e implementação de todas as medidas possíveis.
Se o empregado não puder vacinar por algum motivo médico, o que deve ser feito?
O empregado deverá apresentar atestado, laudo ou relatório médico que comprove a impossibilidade da vacinação.
A vacinação é uma forma de garantir um ambiente seguro de trabalho? O que a Constituição Federal diz sobre isso?
A Constituição Federal de 1988 determina no seu artigo 1º, caput, que a dignidade humana é um dos fundamentos da República Federativa do Brasil. Como mencionado na decisão do STF, a vacinação é questão de vida digna e saúde pública.
O artigo 6ª e 196 da Constituição Federal elevam a saúde a um direito social, sendo, portanto, de todos e dever do Estado.
Já o art. 7º, XXII da CF menciona que são direitos dos trabalhadores urbanos e rurais a redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança;
Além da Constituição, há diversos enunciados e dispositivos legais que visam a proteção à saúde na CLT, nas Normas Regulamentadoras – NR relativas à segurança e Medicina do Trabalho, de observância obrigatória pelas empresas privadas e públicas.
O próprio Código Penal brasileiro prevê em seu artigo 268 pena de detenção para aquele que infringir determinação do poder público, destinada a impedir introdução ou propagação de doença contagiosa:
No contexto histórico em que vivemos não podemos deixar de observar todas as alterações e modificações normativas por meio de decretos que as empresas tiveram de aderir e se adequar para voltar a funcionar como a disponibilização de álcool em gel, preservação do distanciamento social, uso de máscaras.
Ou seja, existe um vasto aparato de leis e normas que visam a proteção da saúde coletiva, do trabalhador e do próprio indivíduo. Cabe ao empregado colaborar com todas as medidas para tanto. A vacinação, sendo obrigatória, é uma delas.
Se o descumprimento dos protocolos de saúde pode implicar (não necessariamente) na demissão por justa causa, o empregado deve ser avisado antes ou é demissão direta sem oportunidade de justificativa?
Isso depende do caso concreto. Do descumprimento de qual protocolo ou norma. A demissão por justa causa pode acontecer sem qualquer advertência ou suspensão. Dependerá da gravidade e da imediatidade do ato que devem ser analisadas individualmente com bom senso e razoabilidade.
O uso da máscara também entra nesta regra? Pode gerar demissão por justa causa ou apenas uma advertência?
Como mencionado acima, depende da gravidade do ato e o seu contexto. Foi uma vez? O empregado esqueceu? Ou há uma recusa no uso? Qual o estabelecimento que o empregado trabalha? É público? Ou o local de trabalho é privado e acessível ao público? A obrigatoriedade do uso da máscara em qualquer lugar privado é lei municipal? O empregado está em regime de teletrabalho?
Na aplicação da justa causa deve-se observar sempre a gravidade do ato, bem como a proporcionalidade e razoabilidade da punição. E pode ser de advertência, à suspensão, à justa causa. Depende muito da situação concreta.
O que o empregado pode fazer para se resguardar? Algum atestado que comprova a vacinação ou apenas o cartão de vacinas?
O empregado deve cumprir todas as normas de segurança e comprovar o cumprimento das medidas. Quanto à vacinação o empregado pode comprovar por meio do cartão de vacinas.
No caso do empregado demitido por não se vacinar, o que ele pode fazer para garantir seus direitos trabalhistas?
Se a recusa for injustificada, não há o que fazer. O empregador pode aplicar a suspensão e a justa causa diante da recusa. Por certo que o empregado poderá tentar reverter a justa causa judicialmente pelo seu direito de ação.
Se for por ter vacinado e não apresentado o comprovante, o Ministério da Saúde publicou, no dia 18 de janeiro uma portaria instituindo a obrigatoriedade do registro de aplicação de vacinas contra a Covid-19 nos sistemas de informação disponibilizados pela pasta.
O empregado deve então apresentar ao empregador algum comprovante desse registro.
Tem algo para completar?
Sim e talvez o mais importante: Apesar de amplo e vasto nosso ordenamento jurídico não pode prever todas as situações fáticas. Muitas questões são polêmicas, geram discussões acaloradas e serão certamente objetos de ações judicias.
No entanto, é nesse contexto de pandemia, que se faz importante a prevalência do princípio da solidariedade, da colaboração, do direito à saúde coletiva e à dignidade que devem se sobrepor a direitos individuais.
O momento é de união. De humanização das relações de trabalho e esforços mútuos para o enfrentamento das consequências econômicas, políticas e sociais que ainda nem temos noção da dimensão.
Entenda melhor a decisão do STF:
Ingrid, em dezembro do ano passado, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu que a imunização pode ser obrigatória, mas não feita à força. Assim, os brasileiros que não quiserem ser vacinados estarão sujeitos às sanções previstas em lei, como multa e o impedimento de frequentar determinados lugares. Como isso pode atingir os empregados no mercado de trabalho?
A tese fixada no Supremo Tribunal Federal foi no sentido de que é constitucional a obrigatoriedade de imunização por meio de vacina que: tenha sido incluída no plano nacional de imunizações; ou tenha sua aplicação obrigatória decretada em lei; ou seja objeto de determinação da União, dos estados, do Distrito Federal ou dos municípios. E ainda que sejam as vacinas distribuídas universal e gratuitamente.
A decisão do STF menciona que a vacinação compulsória não significa vacinação forçada, podendo o cidadão se negar a tomar. Mas que diante da recusa podem ser tomadas medidas indiretas desde que previstas em lei, pela União, estados, Distrito Federal e municípios.
O Supremo ressaltou que embora a Constituição Federal proteja o direito de cada cidadão de manter suas convicções filosóficas, religiosas, morais e existenciais, os direitos da sociedade devem prevalecer sobre os direitos individuais.
Nas relações de trabalho as medidas indiretas decorrentes de lei como as restrições ao exercício de certas atividades ou à frequência de determinados lugares impactam sobremaneira a rotina e cotidiano do trabalhador, bem como a tomada de decisões pelo empregador. Ambos tentam se equilibrar nas responsabilidades que lhes recaem.
Do empregador é o dever de zelar e proporcionar ambiente seguro, por meio de fiscalização e implementação de normas, ainda que internas, de saúde, higiene e segurança. E do empregado é o dever de cumprir e obedecer às normas de saúde e segurança. Previsões contidas expressamente nos artigos. 157 e 158 da CLT.
O descumprimento desses deveres de forma injustificada tanto pelo empregado quanto pelo empregador, caracteriza ato faltoso, podendo ensejar, a depender da gravidade de cada caso: advertências, suspensões, justa causa ou rescisão indireta.
No episódio de recusa sem motivo do empregado a se vacinar é legítimo ao empregador aplicar alguma punição conforme a realidade vivenciada e a modalidade de trabalho, desde a suspensão do contrato de trabalho à justa causa.