O acordo sobre os pacotes econômicos

Graças à intermediação da Advocacia-Geral da União (AGU), com apoio do Banco Central, um litígio judicial entre instituições financeiras e associações de poupadores, que se arrastava nos tribunais superiores há duas décadas e meia, acabou sendo resolvido por negociação. Discutia-se o ressarcimento de perdas vultosas causadas pelos Planos Bresser (1987), Verão (1989), Collor I (1990) e Collor II (1991). O litígio foi resolvido por negociação, fechando-se, desse modo, mais um foco de incerteza jurídica no campo econômico.

O acordo, que ainda tem de ser homologado pelo Supremo Tribunal Federal, extinguirá mais de 1 milhão de ações judiciais patrocinadas por entidades de defesa dos direitos do consumidor e o valor negociado foi de R$ 10 bilhões – bem abaixo do que as partes estimavam. Avaliando que teria de pagar R$ 341 bilhões, a Federação Brasileira de Bancos (Febraban) alegava que, se condenasse as instituições financeiras, a Justiça poria em risco a higidez do sistema bancário nacional. Já o Instituto de Defesa do Consumidor (Idec) e a Frente Brasileira dos Poupadores (Febrapo), apoiados pelo Ministério Público e por Defensorias Públicas, estimavam em pouco mais de R$ 100 bilhões o valor total das indenizações. Ainda falta decidir se os R$ 10 bilhões negociados serão pagos à vista ou parcelados.

O desfecho desse caso, que durante as décadas de 1980 e 1990 mobilizou altos escalões da administração pública, a Febraban e os principais escritórios de advocacia do País, deixa várias lições. Uma delas é a consolidação do direito do consumidor, introduzido no Brasil em 1990 e, desde então, muito bem recebido pela sociedade, graças ao trabalho pedagógico de entidades sérias e responsáveis. Outra lição foi aprendida pelos bancos. Primeiramente, eles tentaram, sem sucesso, reverter no Superior Tribunal de Justiça (STJ) as decisões das instâncias judiciais inferiores que deram ganho de causa aos poupadores. Em seguida, procuraram dramatizar os efeitos de uma eventual derrota no Supremo Tribunal Federal, por meio da mídia. Finalmente, as instituições financeiras deram conta de que a defesa de seus interesses por meio de negociações era a saída mais adequada. Em outras palavras, aprenderam que, em vez de pressões políticas e midiáticas, era na segurança do direito que deveria ser buscada uma solução definitiva – e em termos razoáveis – para o litígio, o que acabou acontecendo.

A lição mais importante, contudo, diz respeito ao fator que deflagrou a pendência. Ficou patente que, independentemente das diferenças de orientação, pacotes econômicos não podem ser implementados por meio de extrema violência jurídica e a despeito do arcabouço legal do País. Hoje conhecidos como “esqueletos financeiros”, dados os problemas jurídicos e a herança de fracassos que legaram em matéria de economia, esses pacotes foram impostos com base na percepção maquiavélica de que os fins – a estabilização monetária – justificavam os meios – o desprezo aos direitos dos cidadãos.

Por manipular índices de correção monetária, intervir em contratos privados e outros atos juridicamente perfeitos, desprezar direitos adquiridos, mudar abruptamente as regras do jogo econômico e desprezar normas que disciplinam a criação de novos impostos e a alteração de alíquotas de impostos existentes, os pacotes econômicos dos governos Sarney e Collor afrontaram a ordem constitucional. Por promover expurgos, confiscos e congelamentos de ativos financeiros, modificar o indexador das cadernetas de poupança, trocar o Índice de Preços ao Consumidor pela Letra Financeira do Tesouro e impor as famigeradas “tablitas”, esses pacotes violaram as mais elementares garantias fundamentais.

O acordo mediado pela AGU representa, assim, o final de uma época em que as autoridades governamentais confundiam gestão econômica com arbitrariedade jurídica. Felizmente, as autoridades econômicas de hoje não cometem esse equívoco.

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