A OIT (Organização Internacional do Trabalho) manifestou preocupação pelas mudanças em torno da definição de trabalho escravo e da forma de fiscalização no Brasil, informou Antônio Rosa, representante da entidade em Brasília.
"O Brasil, a partir de hoje, deixa de ser a referência no combate à escravidão que estava sendo na comunidade internacional", disse Rosa, que é coordenador do Programa de Combate ao Trabalho Escravo da OIT no país.
Nesta segunda-feira (16), o Ministério do Trabalho divulgou uma portaria que modifica a definição de trabalho escravo e deixa nas mãos do ministro a inclusão de empresas na chamada "lista suja", que engloba aqueles que desrespeitam direitos trabalhistas.
Segundo o texto, publicado no Diário Oficial da União, para que haja a identificação de trabalho forçado, jornada exaustiva e condição degradante, é preciso ocorrer "privação da liberdade de ir e vir" —o que não constava nas definições adotadas anteriormente—, como submissão do trabalhador sob ameaça de castigo, proibição de transporte obrigando ao isolamento geográfico, vigilância armada para manter o trabalhador no local e a retenção de documentos pessoais.
A portaria estabelece um conceito "condicionado à situação de liberdade, e não é assim no mundo, a escravidão moderna não é caracterizada assim", lamentou Rosa.
"É uma interpretação da norma bastante restritiva, o que acaba por mudar seu sentido, impossibilitando na prática as operações de combate ao trabalho escravo em todo o país", considerou o auditor fiscal do Trabalho, Renato Bignami.
A portaria, que atende aos interesses da bancada ruralista, foi duramente criticado pelo Ministério Público do Trabalho, assim como pela oposição no Congresso, que vê na medida uma ação política do presidente Michel Temer, que aguarda a discussão de uma segunda denúncia contra ele pelo Congresso.
"Temer parece desconhecer qualquer limite. Sepultar o combate ao trabalho escravo em troca de salvação na Câmara é escandaloso", avaliou em comunicado o deputado Alessandro Molon (Rede-RJ).
"A nossa preocupação é que de fato não exista nenhum tipo de condução das políticas de luta contra violação de direitos humanos em benefício de algum grupo", disse Rosa.
A Secretaria de Inspeção do Ministério de Trabalho rejeitou também o conteúdo da portaria em um comunicado interno divulgado nesta segunda-feira e esclareceu que não participou de sua elaboração.
O documento afirma que "foram detectados vícios técnicos e jurídicos" e aspectos que atentam contra a Constituição, a Convenção 81 da OIT e o Código Penal brasileiro.