Três meses depois da entrada em vigor da Lei 13.467/2017, da reforma trabalhista, o desfalque no caixa de sindicatos goianos já tem reflexos: a demissão de empregados. É que, pela primeira vez, as entidades não poderão receber o imposto sindical sem autorização dos funcionários.
Por isso, sindicatos têm se desdobrado, em assembleias, para convencer as categorias a permitirem o desconto do imposto sindical na folha de pagamento. Conforme estimativa do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), de 30% a 50% da receita advinham do imposto sindical. Sem dinheiro, o corte do quadro de funcionários é uma saída constrangedora.
Apenas o Sindicato dos Empregados do Comércio do Estado de Goiás (Seceg) demitiu, desde o início de 2017, 40 funcionários. O presidente da entidade, Eduardo Amorim, informa que as demissões fazem parte de “adequações administrativas”. Funcionários na área de comunicação, por exemplo, foram dispensados.
“É bom lembrar que o imposto sindical não foi extinto, mas obrigou-se a pedir autorização para o desconto. Por isso estamos coletando autorizações, aumentando os benefícios de nossos associados”, enfatiza Eduardo Amorim.
O diretor Jurídico do Sindicato dos Trabalhadores em Telecomunicações e Teleatendimento do Estado de Goiás (Sinttel-GO), Fagner Tavares, informa, sem especificar o quantitativo, que o sindicato reduziu 50% no quadro de funcionários, antevendo as dificuldades financeiras.
“Demitimos um caseiro numa chácara onde nossos associados desfrutam feriados e férias, em Aruanã; acabamos com a equipe da homologação, que faz o acerto com o trabalhador. Nós mesmos da diretoria fazemos a homologação atualmente. Estamos nos adequando para vivermos apenas com a renda vinda dos associados”. explica.
Com a nova regra, a tendência é que sindicatos menores desapareçam porque não têm base consolidada, ou seja, atuem em prol dos interesses dos profissionais da categoria de maneira efetiva e, com isso, consolidem associados.
A cobrança equivalia a um dia de trabalho do empregado por ano, e a mudança promovida pela reforma trabalhista é duramente criticada por sindicalistas que, mesmo assim, reconhecem que deverão atuar mais incisivamente para garantir os direitos das categorias profissionais e das empresas.
Presidente da Central Única dos Trabalhadores de Goiás (CUT-GO), Mauro Rubem reconhece que o imposto sindical faz falta à entidade. Por isso, conforme ele, teve de fazer cortes de pessoal na área de comunicação. “Recebíamos em média, anualmente, 30 mil reais do imposto sindical, mas com a nossa receita oriunda dos associados, também por volta dos 30 mil reais, conseguiremos manter o quadro, mesmo depois de demitirmos duas pessoas no setor de comunicação.”
Mauro Rubem, contudo, não perde tempo em criticar a prerrogativa de autonomia que a reforma trabalhista deu ao trabalhador de permitir, ou não, o desconto: “Nós defendemos a liberdade sindical. O fim do imposto sindical veio para enfraquecer os trabalhadores, para construir um cenário de escravidão”, lastima.
Mesmo com a receita da CUT reduzida em 50%, Mauro Rubem afiança que a entidade vai continuar fazendo paralisações e movimentos que fortaleçam a agenda política do trabalhador. “Vamos lutar ainda mais, principalmente contra a reforma da Previdência. Disputaremos eleições e venceremos para podermos revogar esta reforma trabalhista, que é um desmonte.”
Um dos maiores críticos do presidente Michel Temer — emedebista que herdou a Presidência com o impeachment da petista Dilma Rousseff, de quem era vice —, Mauro Rubem acredita que, sim, sindicatos podem desaparecer, mas a luta deve ser intensificada. “Não vamos parar de lutar”, afirma o presidente da CUT-GO, entidade que na verdade se constitui num dos braços sindicais do PT.
A tesoureira-geral do Sindicato dos Professores do Estado de Goiás (Sintego), Iêda Leal, ameniza os impactos causados pela diminuição da receita. Ela admite que funcionários do Sintego foram demitidos mas, sem dar detalhes, informa que “demitir é muito constante”. Para Iêda, as demissões não se deram em consequência do imposto sindical. “É normal contratar ou demitir em qualquer órgão, instituição. Se entendemos que a pessoa não é adequada, qualificada, trocamos.”
Ela também endossa o discurso de a reforma ter sido aprovada para enfraquecimento dos sindicatos, sobretudo os que representam os trabalhadores, que ela diz ser os maiores opositores do presidente Michel Temer. “Foi um tiro no pé deste governo golpista que não nos representa. Mas temos uma estrutura sindical forte e chamaremos nossa categoria para uma assembleia para sabermos como aplicar nossa receita”, informa Iêda. “Vamos continuar lutando pelo piso salarial dos professores, temos uma agenda que espera”, emenda.
Grandes defensores de Dilma Rousseff no período do processo do impeachment que afastou a petista, e do ex-presidente Lula da Silva, os sindicatos ligados à CUT recorriam ao caixa da entidade para mobilizar homens e mulheres em manifestações a favor do PT. Foi o que ocorreu, por exemplo, com o transporte de centenas de pessoas em ônibus fretados para Brasília ou para Curitiba, como no dia em que Lula foi condenado em segunda instância pelo Tribunal Regional Federal da 4° Região (TRF-4) por corrupção passiva e lavagem de dinheiro.
“Sindicatos de cartório”
Dirigentes sindicais, principalmente de patronais — que representam proprietários da indústria e comércio — afirmam que “sindicatos de cartório”, fundados apenas para receber o imposto sindical, ou mesmo com mínima atuação, mas que viviam apenas com o imposto, deverão desaparecer. Os maiores, com maior atuação política, contudo, devem intensificar a busca por sócios — que pagam todo mês e usufruem de benefícios como plano de saúde, convênios e viagens.
O presidente Executivo do Sindicato das Indústrias Farmacêuticas no Estado de Goiás (Sindfargo), Marçal Henrique Soares, acredita que a saída para a adequação ao desfalque financeiro é o trabalho de convencimento para que novas empresas se associem. “De 45 empresas, 25 são associadas e, por isso, temos uma grande responsabilidade com nossos conveniados”, afirma. Soares informa que o Sindfargo não pretende demitir nenhum funcionário, pois o dinheiro dos associados é suficiente para custear os trabalhos da entidade.
“Sindicatos não têm mente coletiva”
Uarian Ferreira, advogado: “Dirigentes partidários, individuais, vão acabar se não pensar no âmbito coletivo de sua categoria”
Como o sr. analisa a atuação dos sindicatos?
Os sindicatos sempre acharam que deveriam atuar apenas no direito do trabalho, no caso dos que representam os trabalhadores, e na lógica financeira, no caso dos sindicatos patronais, que representam as empresas comerciais e industriais. Eles ficaram assustados com a obrigação da permissão da cobrança do imposto sindical direto na folha de pagamento. Eles não eram prestadores de serviços e vão ter que se consolidar como prestadores de serviço, seja para os patrões ou para os funcionários.
O que precisam fazer?
É preciso se atentar aos sindicatos que não postulam ações. Sindicatos podem, por exemplo, buscar mecanismo jurídicos para cobrar melhores condições nos transportes coletivos, processando inclusive por danos morais as empresas em favor dos funcionários. Eles têm legitimidade, é constitucional. Os sindicatos não exercem aquilo que eles têm direitos. Sindicatos de trabalhadores, por exemplo, poderiam entrar com ações para coibir a cobrança do ICMS da tarifa de transmissão de energia elétrica, diminuindo em 30% o valor da tarifa.
E quanto à representatividade?
Não vejo sindicatos atuantes, mas vejo mais atuação das associações, embora não tenham a mesma legitimidade. Os sindicatos aprenderam a viver de uma receita que não vinha da prestação de serviços. Eles recebiam sem a devida contrapartida. Há sindicato, principalmente os patronais (vinculados à Fecomércio, por exemplo), que presta serviços de odontologia, médico, mas outros não conseguem convencer: não representam ninguém.
Como os sindicatos podem evitar demissões?
Os sindicatos dos empregados podem prestar serviços além do âmbito do trabalho, oferecendo hóteis, clubes. Eles precisam pensar mais empresarialmente e menos politicamente. É preciso entrar com ações que impactem diretamente na vida dos associados, pedindo restituições. Os sindicatos não têm mente coletiva. Sindicatos partidários, individuais, vão acabar se não pensar no âmbito coletivo de sua categoria.