Procura-se bons funcionários desesperadamente
Milhares de vagas estão abertas à espera de pessoas qualificadas e interessadas em trabalhar, inclusive nos fins de semana, em lojas, supermercados e em outros pontos comerciais
EMPREGOS: Sem gente qualificada, sobram vagas no mercado de trabalho
Em seu último emprego, a doméstica Nair Soares de Castro recebia um salário de R$ 800 mensais. À procura de uma nova ocupação no mercado de trabalho há dois meses, ela recebeu uma proposta para trabalhar como repositora de produtos num supermercado, ganhando até mais que antes: cerca de R$ 900. Mas Nair recusou a oferta. “Não quero trabalhar nos fins de semana e feriados de jeito nenhum”, justificou.
Parece que muitos trabalhadores estão escolhendo mais, como Nair. Atualmente, existem milhares de vagas abertas no comércio da Grande Goiânia à espera de bons candidatos para ocupá-las. Nas contas do presidente do Sindicato do Comércio Varejista no Estado de Goiás (Sindilojas-GO) e da Associação de Lojistas do Flamboyant Shopping Center (Aslof), José Carlos Palma Ribeiro, são 4 mil vagas abertas no comércio de Goiânia e cerca de 12 mil no Estado.
Fins de semana
A situação é ainda pior nas lojas de shoppings e nos supermercados, onde o horário de trabalho se estende pelos fins de semana e feriados. Somente nas lojas do Flamboyant existem 600 vagas abertas. “Na segunda-feira, não há o futebol ou clube para ir”, diz José Carlos. Com a proximidade da inauguração do novo Passeio das Águas Shopping, na próxima quarta-feira, dia 30, onde foram abertas cerca de 6 mil vagas, a demanda ficou ainda maior. “Foram milhares de postos de trabalho abertos de um ano para outro”, destaca.
Hoje, a rede Novo Mundo tem 50 vagas abertas para Goiânia. A maior dificuldade é preencher aquelas destinadas às lojas de shoppings, por conta dos horários alternativos. “Hoje, é o candidato quem nos entrevista, querendo saber o salário, benefícios ou se terá de trabalhar aos fins de semana. Ele quer escolher a melhor vaga”, diz a gerente de Processos de RH da rede, Fabiana Cançado.
Ela conta que, se 20 entrevistas são marcadas, apenas 10 candidatos aparecem e outros 10 desistem. Com o aumento da demanda, a rotatividade é outro problema crescente, que chega a 40% na rede Novo Mundo.
Supermercados
O presidente da Associação Goiana de Supermercados (Agos), Nelson Alexandrino Lima, estima que o setor tenha uma demanda de 5 mil funcionários para a Grande Goiânia. Segundo ele, o déficit de pessoal é maior para funções de açougueiro, padeiro, caixa e repositor. “Hoje, um funcionário troca de empresa por qualquer diferença mínima de salário”, explica.
A construção civil, onde a remuneração cresceu muito e não há expediente nos fins de semana, tem atraído muitas pessoas do comércio. Com isso, os salários já começaram a melhorar. Dados da Relação Anual de Informações Sociais (Rais), do Ministério do Trabalho, mostram que a remuneração média dos trabalhadores do comércio cresceu 26,7% entre 2011 e 2012, alcançando R$ 1.397,32 (veja quadro).
Hoje, segundo Nelson, um açougueiro ganha entre R$ 1,2 mil e R$ 1,6 mil, dependendo da carga horária. “Mesmo assim, ninguém quer trabalhar nos fins de semana. Quem aceita, é empregado na hora”. Mas ele lembra que se os reajustes de salários forem repassados aos preços dos produtos, causarão mais aumento da inflação.
A proprietária do Supermercado Kairós, no Parque Amazônia, Valdiane Fernandes de Araújo, tem vagas abertas para açougueiro, operador de caixa e entregador. “Não há mais profissionais como açougueiros. Eles preferem trabalhar como pedreiros ganhando bem mais, mesmo que seja na informalidade”. A empresária conta que vários candidatos entrevistados recusaram as vagas por não aceitarem trabalhar à noite ou nos fins de semana. Hoje, ela já oferece até plano de saúde para reter os funcionários.
Informalidade
Além da construção civil, o presidente do Sindilojas alerta que o comércio formal também disputa trabalhadores com a informalidade, que consegue pagar salários mais altos por não cumprir obrigações trabalhistas. “Hoje, temos em torno de 25 mil empresas de varejo, quase o mesmo número de barracas nas feiras de Goiânia”, afirma. Segundo José Carlos, muita gente também tem sido atraída pelo mercado da beleza, que tem crescido rapidamente, mesmo na informalidade.
Muitas vezes, a profissão de vendedor acaba sendo vista como algo temporário, enquanto não se encontra algo considerado melhor, mesmo com um piso de R$ 925, bem acima do salário mínimo. Para o presidente do Sindilojas, a demanda atual só não é maior porque muitos lojistas seguraram os temporários contratados para o Dia dos Pais e Dia da Criança.
Candidatos reclamam de excesso de exigências
Claudeci:”Lojista tinha de dar mais oportunidade”
Das quase 17 mil vagas disponibilizadas este ano pelo Serviço Nacional do Emprego (Sine) por empresas do setor de comércio em Goiás, pouco mais de 4 mil foram ocupadas, menos de 24%. Para o presidente do Sindicato dos Empregados no Comércio de Goiás (Seceg), Eduardo Amorim, ainda há uma série de exigências de perfil feitas pelos lojistas, como experiência e facilidade de comunicação, na qual o candidato precisa ter características acentuadas de capacidade de vendas.
Por outro lado, ele argumenta que os salários ainda não são atrativos. “Quem não tem esse perfil, acaba aceitando. Já quem é mais qualificado, não quer ganhar menos de R$ 1,5 mil”, afirma. Para Eduardo, a empresa poderia suprir deficiências do candidato com um pouco de treinamento.
Para ele, se não ocorrer mudanças significativas, sobrarão muitas vagas, pois o empregado não aceita mais se submeter a qualquer condição. “O que eles oferecem não está sendo mais atrativo nem para estudantes”. Um servente de pedreiro, lembra, está ganhando mais que um auxiliar de escritório, enquanto um excelente vendedor de carros ganha o mesmo que um bom pedreiro.
Eduardo Amorim reclama que, quando há uma retração nas vendas, a primeira medida adotada pelo lojista é demitir e reduzir remunerações, ao invés de investir mais em sua equipe. “Investir no bem-estar do trabalhador pode trazer um retorno satisfatório”, garante.
Há quase um ano, sem sucesso, a estudante Claudeci Vieira procura uma vaga no comércio, mesmo aceitando trabalhar nos fins de semana. Ela conta que seu último emprego foi como vendedora de bijuterias, mas os lojistas exigem experiência somente com o produto com o qual trabalham.
Ela admite que não tem muita familiaridade com programas de computador, o que também se tornou um empecilho. “O lojista tinha de dar mais oportunidade para a pessoa, fazendo mais testes antes de recusar um candidato, que pode ter força de vontade para aprender”, acredita.
Empresas investem mais em qualificação
Diante da dificuldade para contratar pessoal capacitado, as entidades de classe ligadas ao comércio varejista estão investindo cada vez mais em qualificação. A Agos desenvolverá um projeto para qualificação de panificadores e açougueiros. A Câmara de Dirigentes Lojistas de Goiânia (CDL Goiânia) está sugerindo aos empresários que contratem pessoa com perfil de atendimento e as encaminhem para a Escola de Varejo da entidade, que faz treinamento de 15 horas em vendas e atendimento, focados em varejo.
Os lojistas subsidiam o curso de reciclagem para seus empregados, mas ele é aberto a qualquer pessoa, ao custo de R$ 195. Nele, a pessoa aprende a abordar o cliente, analisar seu perfil e a ter atitude para a venda.
A gerente da Escola de Varejo da CDL Goiânia, Meri Dias Ferreira, conta que a dificuldade de contratação atual é tão grande que muitas empresas estão oferecendo vagas de emprego em carros de som pelas ruas. Ela concorda que a abertura do Shopping Passeio das Águas também aumentou a demanda e o problema. A entidade também conta com um banco de talentos, onde qualquer pessoa pode deixar seu currículo, e ajuda na colocação do candidato no mercado de trabalho.
Jovem não quer ser vendedor
No site do Sine, há dezenas de anúncios buscando vendedores dos mais variados produtos, como pneus, material de construção, tendas, móveis, material elétrico e até postes pré-moldados. Um único site de empregos diz ter 42 mil vagas abertas no País.
Para Carlos Cruz, diretor do IBVendas, especialista em formar vendedores profissionais e gestores de vendas, o maior problema é que o jovem de hoje não sonha mais em ser vendedor, ou seja, não enxerga isso como uma opção de carreira. Ele alerta que é preciso identificar os candidatos com potencial e ensiná-los a lidar com metas e resultados, desenvolvendo estratégias de vendas.
Preparação
Carlos Cruz alerta que as empresas não podem mais deixar para contratar temporários só no fim do ano. “É preciso identificar esse perfil, inclusive em profissionais de outras áreas, e prepará-lo antes”.
Para ele, hoje o lojista precisa oferecer boa remuneração fixa e variável, benefícios, criar premiações para metas, ter um bom ambiente de trabalho, ter um modelo negócio no qual a pessoa se desenvolva como profissional e um gestor que motive a equipe.