Empresas brasileiras começam a dar sinais de mudança em um tema há muito defendido por especialistas e entidades sindicais: a redução da jornada de trabalho e a ampliação das folgas semanais. Segundo reportagem publicada pelo Estadão (“Do luxo à farmácia: empresas adotam jornada 5×2 para atrair e reter talentos”), redes como Palácio Tangará, Drogarias São Paulo e Pacheco (Grupo DPSP) e H&M estão entre as pioneiras na adoção da escala 5×2 — cinco dias de trabalho por dois de descanso —, modelo comum em outros países, mas ainda raro no Brasil.
Mais tempo para viver e melhor desempenho no trabalho
O caso do bartender Tiago Pavel, funcionário do hotel Palácio Tangará, mostrado pelo jornal, ilustra o impacto da mudança. Com a nova escala e redução da carga horária semanal de 44 para 42 horas, ele comemora poder retomar antigos hábitos, como tocar guitarra e conviver mais com amigos e familiares. “A gente não consegue descrever a alegria”, disse ao Estadão. Para ele, a nova rotina representa “um belo aumento de salário”, não em valores, mas em tempo e qualidade de vida.
O hotel de luxo, que emprega cerca de 350 pessoas, decidiu implementar a mudança por entender que colaboradores descansados e motivados entregam melhores resultados. Segundo o gerente geral, Celso do Valle, a medida reforça o posicionamento do Palácio Tangará como “empregador de referência”, o único do setor em São Paulo a adotar o modelo 5×2 para todo o quadro de funcionários.
Mais folgas, menos estresse
Com o novo formato, os trabalhadores do Tangará passam a ter 104 dias de folga por ano, contra 65 no modelo anterior (6×1). A especialista em futuro do trabalho Maíra Blasi ressalta que essa transição é um passo essencial para o bem-estar.
“Saúde mental vai além de planos de saúde. Envolve reduzir carga de trabalho e melhorar salários”, destacou.
Ela lembra que um único dia de descanso semanal é insuficiente para cuidar da casa, da saúde e da família, e defende que empresas comprometidas com sustentabilidade humana no trabalho devem apostar em escalas mais equilibradas.
Farmácias e varejo seguem o exemplo
Ainda segundo matéria publicada pelo Estadão, inspiradas no mesmo princípio, as Drogarias São Paulo e Pacheco, que juntas formam o Grupo DPSP, também adotaram a jornada 5×2 para 24 mil funcionários em todo o país. O objetivo, segundo a empresa, é proporcionar mais bem-estar e valorização das pessoas. Com a nova escala, o número de dias de descanso passou de 64 para 96 por ano.
No varejo internacional, a H&M já havia trazido o formato 5×2 ao Brasil ao abrir sua primeira loja em São Paulo. O modelo é padrão nos 79 países em que a marca atua. “Todos têm o direito a passar tempo com a família e ter vida privada, independentemente de trabalhar no varejo”, afirmou Joaquim Pereira, country manager da rede sueca.
Motivos econômicos e sociais por trás da mudança
Além da preocupação com o bem-estar, especialistas apontam razões estratégicas para o movimento. Segundo Maíra Blasi, as empresas buscam atrair e reter talentos em um mercado transformado pela expansão dos trabalhos por aplicativo — que, embora precários, oferecem sensação de maior autonomia.
“Não é que as empresas sejam bonzinhas. É que precisam competir com outras formas de trabalho”, explica.
Atualmente, o Brasil tem cerca de 1,7 milhão de entregadores por aplicativo, de acordo com o Cebrap. A disputa por trabalhadores qualificados obriga empresas tradicionais a reverem práticas rígidas de jornada.
Investimento com retorno garantido
A mudança, porém, exige investimento. O Palácio Tangará calcula um custo adicional de R$ 2 milhões por ano, valor necessário para contratar 27 novos funcionários e equilibrar a carga de trabalho. Apesar disso, a direção do hotel acredita que o gasto se converterá em ganhos de produtividade e fidelização de equipe.
Debate no Congresso e papel dos sindicatos
O tema também ganha corpo no debate nacional. O presidente da União Geral dos Trabalhadores (UGT) e do Sindicato dos Comerciários de São Paulo, Ricardo Patah, avalia que o movimento das grandes redes pode impulsionar a mudança em todo o setor.
“Vai ser um instrumento facilitador para o que estamos buscando. Queremos esse 5×2 já faz tempo”, afirmou.
As Centrais Sindicais, como CUT, Força Sindical e UGT, defendem há anos que a redução da jornada de trabalho é essencial para gerar empregos, combater o adoecimento laboral e redistribuir melhor o tempo e a renda. Estudos do Dieese indicam que a diminuição da jornada sem redução salarial estimula a produtividade e melhora a qualidade de vida, além de contribuir para reduzir o desemprego estrutural.
Para os sindicatos, exemplos como os do Palácio Tangará, DPSP e H&M comprovam que é possível avançar por meio do diálogo social, mostrando que políticas de valorização do trabalho e respeito ao tempo livre beneficiam tanto empresas quanto trabalhadores. As centrais esperam que essas experiências sirvam de referência para uma transição nacional rumo a jornadas mais humanas e sustentáveis.
Um novo paradigma em construção
Embora ainda incipiente, a adoção da escala 5×2 no Brasil sinaliza um possível ponto de virada cultural: jornadas mais humanas, maior produtividade e empresas que enxergam o descanso como parte da eficiência.
Como destaca Maíra Blasi, “existem casos que estão surgindo e podem moldar uma nova cultura”. A redução da jornada, além de promover bem-estar e saúde mental, pode representar o início de um novo modelo de prosperidade compartilhada — em que trabalhar menos significa viver e produzir melhor.
Com informações: Estadão/Rádio Peão Brasil